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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: Humor deve ter limite, sim

O autoproclamado injustiçado comediante, dizendo-se incompreendido, afirmou que a justiça não soube separar o personagem do ser humano

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 15/06/2025 às 19:25

A condenação criminal de um comediante trouxe novamente à baila, além de muito besteirol dito para ataques ao Judiciário, a questão da liberdade de expressão artística enquanto suposto direito absoluto.

O autoproclamado injustiçado comediante, dizendo-se incompreendido, afirmou que a justiça não soube separar o personagem do ser humano, que o teria punido com oito anos e três meses de prisão em regime fechado por simplesmente ter contado piadas. Será mesmo?!

Longe disso. A condenação não se deu por desobedecer ao semáforo vermelho no trânsito ou por ser flagrado pichando o muro alheio, mas por cometer atos conscientes de escárnio, discriminação e preconceito em shows de stand-up. Eis a verdade.

O limite da liberdade de expressão no humor

Na compreensão do hoje condenado, o humor deve desfrutar de uma liberdade sem freios, a tudo lhe sendo permitido. O mais seria censura prévia.

A sentença é da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo (SP). Do seu texto, extrai-se a seguinte síntese: no desenho de sociedade que temos, não há habitat para o “animus jocandi”, ou seja, para a ideia de que a comédia não tem como ser enquadrada como crime se a intenção for a de divertir. Mas será humano extrair entretenimento zombando da origem regional do outro, da sua deficiência física ou mental, das suas dores?

Será aceitável que se estagne no tempo em que as anedotas com referências a minorias passavam ilesas sob o fundamento da liberdade sem fim do humor? O mundo, enfim, estaria mesmo ficando um lugar chato?

De jeito nenhum. Ora, e a dignidade de quem é matéria-prima para provocar gargalhadas? Não vale nem um cafezinho? O que fazer com ela? Riscá-la do artigo 5º da Constituição? Legalizar o preconceito? Será que o humor chancela a quem dele faz profissão a outorga de um Habeas Corpus preventivo e perpétuo para lançar ofensas e insultos, inclusive de conotação discriminatória, sob a roupagem de historinhas pretensamente divertidas?

O racismo teria como ser recreativo? A comédia poderia, em última razão, desumanizar através da ridicularização sistemática, sob o disfarce do entretenimento? O riso pode ser libertador, logo, não opressivo?

A jurisprudência e a proteção constitucional

Na jurisprudência, a resposta negativa a tais indagações se firmou no julgamento de 2003 pelo Supremo Tribunal Federal do caso Siegfried Ellwanger, editor que publicou livros que negavam o Holocausto impingido pelo desvario nazista ao povo judeu.

Condutas dessa natureza jamais podem ser atípicas criminalmente por pretensa excludente do “animus jocandi”. Igualmente, a discussão nada tem a ver com o mundo estar se tornando chato.

É importante reiterar a explicação do que deveria ser básico. Não dá para aceitar como brincadeira o que machuca, o que faz sofrer, o que traz humilhação, ainda mais em temas que a própria Constituição protege, como os direitos das pessoas com deficiência. O riso não pode brotar do solo do sofrimento.

Humor consciente versus ofensa: Um apelo à maturidade

Sou um consumidor frequente do humor não apelativo, aquele que não precisa lançar mão do subterfúgio da exploração do sofrimento para chamar a atenção. Chaplin, por exemplo, foi um gênio. Lembrado afetuosamente até hoje. Como não tirar o chapéu aos seus Carlitos e O Grande Ditador? Com seu humor, a quem poderia ter ofendido?

Encontro dificuldades monumentais em racionalizar que a liberdade de expressão possa ser uma tela em que se tenha o direito de pintar o que se quiser, para quem se interessar em ver. Aos demais, a porta da rua.

O caso aqui utilizado como paradigma merece ser discutido sob esse prisma, mas não vem sendo. Lamento, mas não fico surpreso. Aí estão à vontade os que negam as vacinas e o golpe de 1964, os que advogam que a inviolabilidade parlamentar e as redes sociais são insuscetíveis de controle, os que inutilizam as ações afirmativas, os que creem que os fins justificam os meios no combate à delinquência.

Para minorias raciais, sexuais e religiosas, o palco do stand-up não é neutro. Daí porque o humor que se alimenta da dor alheia não pode ser visto como inofensivo. Por outro lado, combata-se a hipocrisia, já que não se está a tratar de censura.

Vamos crescer e amadurecer. Tudo na vida precisa ter limites ou se convola em bagunça. Não é assim como bons pais educam seus filhos? Para que trocar a escola?

*Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

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