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Um novo retrato da fé no Brasil

O Brasil sempre foi visto como um país majoritariamente católico, mas essa identidade religiosa única está ficando no passado.......

Por João Carvalho Publicado em 14/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 15/06/2025 às 12:15

O que se desenha agora é um mapa de crenças mais diverso, plural e em constante transformação. A fé por aqui passou a assumir formas mais livres e variadas. Cada vez mais pessoas seguem caminhos próprios — e isso diz muito sobre a sociedade brasileira de hoje, mais conectada, questionadora e, ao mesmo tempo, em busca de sentido.

Os dados do Censo 2022, divulgados pelo IBGE, confirmam o que já vinha sendo observado nas últimas décadas: o número de católicos caiu de 65% da população com 10 anos ou mais, em 2010, para 56,7% em 2022. Já os evangélicos passaram de 21,6% para 26,9%, e os que se declaram sem religião cresceram de 7,9% para 9,3%. São mudanças graduais, mas que refletem movimentos profundos na forma como os brasileiros vivem sua espiritualidade.

Embora o catolicismo continue como a fé mais presente no país, a queda é expressiva, principalmente entre os mais jovens. Na faixa de 10 a 14 anos, pouco mais da metade se declara católica. Esse dado aponta para um futuro em que o cenário religioso será ainda mais fragmentado e marcado pela convivência entre diferentes crenças. As igrejas evangélicas, por sua vez, crescem com forte presença nas periferias urbanas e rurais, com atuação comunitária intensa, linguagem direta e uma rede de apoio sólida.

O crescimento dos que se declaram sem religião também chama atenção. Esse grupo, muitas vezes associado ao ateísmo, é na verdade bastante heterogêneo. Inclui desde pessoas espiritualizadas, mas avessas a instituições religiosas, até jovens influenciados por debates contemporâneos sobre ciência, ética e liberdade individual. A quebra com o modelo tradicional não significa ausência de valores, mas uma nova forma de buscar respostas para as questões existenciais.

As diferenças também se evidenciam quando olhamos para raça, escolaridade e renda. Os espíritas são o grupo com maior proporção de pessoas com ensino superior (48%) e menor taxa de analfabetismo (1%). Já entre os povos indígenas, o analfabetismo atinge 24,6%. Esses contrastes revelam o quanto a experiência religiosa também é atravessada por desigualdades históricas e sociais.

Outro dado que merece destaque é o crescimento das religiões de matriz africana. Umbanda e candomblé, que em 2010 representavam apenas 0,3% da população, agora somam 1,0%. Apesar de ainda enfrentarem preconceito e violência, essas religiões se fortalecem como expressão de identidade, resistência e pertencimento. A retomada de práticas ancestrais por jovens negros, em especial nas regiões urbanas do Sudeste e Sul, aponta para um resgate cultural e espiritual que merece ser valorizado.

O novo retrato da fé no Brasil mostra um país mais espalhado espiritualmente. A antiga hegemonia católica dá lugar a uma paisagem fluida, com múltiplas vozes e formas de expressão religiosa. Em vez de um modelo único, temos agora uma convivência — nem sempre pacífica — entre o tradicional e o emergente, entre o institucional e o pessoal, entre o visível e o silencioso.

Esse novo cenário pede que a sociedade saiba conviver com as diferenças. A diversidade religiosa pode ser uma grande riqueza cultural e ética, mas também traz riscos: intolerância, extremismos e conflitos. O desafio é conviver com essa pluralidade sem transformar a fé em arma ou motivo de exclusão. Não se trata de apontar quem está certo, mas de garantir que cada pessoa tenha o direito de acreditar — ou não — de acordo com sua própria consciência.

Religião pode ser ponte ou muro. Pode aproximar ou afastar. O que vai definir isso é a nossa capacidade de ouvir, dialogar e respeitar. O Brasil tem tradição de sincretismo e convivência, mas essa tradição precisa ser renovada diante dos novos tempos. O que está em jogo é a possibilidade de construir uma sociedade mais justa, em que a espiritualidade não seja motivo de divisão, mas um caminho de encontro.

Que esse novo retrato da fé nos ajude a entender melhor o país em que vivemos. E que possamos cultivar, em todos os espaços, o respeito às diferenças e o valor da convivência. O Brasil nunca teve uma só fé — teve muitas. Que esse novo tempo nos encontre abertos à escuta e à paz.

João Carvalho, jornalista e mestrando em Ciências da Religião pela Unicap

 

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