Opinião | Artigo

Dayse de Vasconcelos Mayer: 'Não atravesse a catraca!'

LGPD prevê métodos de governança que incluem a designação de um encarregado de Proteção de Dados, cujo cumprimento vem sendo totalmente relegado

Por DAYSE DE VASCONCELOS MAYER Publicado em 14/06/2025 às 18:48

Você já precisou entrar em um hospital, casa de saúde ou qualquer edifício utilizando uma catraca ou borboleta que só liberava o acesso após a captura da sua foto? Isso acontece a todo minuto, e pouca gente reclama. Faz parte da natureza do brasileiro o "deixa pra lá", o "não vou perder tempo", "não crio problema com patetice".

Como uma carabina velha em uma guerra imaginária, a diminuta câmera fotográfica se move lentamente em sua direção, ávida por uma imagem. E é quase impossível persuadir o funcionário de que seu direito está sendo violado. Afinal, o pobre empregado está mais interessado na preservação do emprego e no contracheque no final do mês.

Naquela manhã de maio, tentei convencer a servidora de que o hospital estava transgredindo a lei. No entanto, a recifense Casa de Saúde São Marcos havia imposto uma barreira intransponível para o ingresso no prédio: a coleta da minha imagem.

A câmera mirou resoluta o meu rosto e já estava pronta para o clique quando minha mão se ergueu briosa e ufana: "Pare!". Meu gesto resultou no chamado da Ouvidora. Ela jamais desconfiou que o órgão que representava – uma instância administrativa garantidora de determinados direitos – existia para receber queixas, denúncias, oferecer informações e resolver conflitos.

A Sra. Ouvidora chegou ao balcão com um olhar enigmático e com a palavra já esboçada nos lábios entreabertos. Não sabia que, embora ocupasse um cargo relevante para a sociedade, a função que exercia era mera "nomenklatura".

Informei que minha irmã estava na UTI e que eu já havia entregue a identificação, mas a funcionária desejava muito mais. A "Escutadora" comunicou que teria uma conversa com seus advogados e logo retornaria.

Percebi, por intuição, que meu futuro era vago, controverso e duvidoso, mas aceitei permanecer no balcão de entrada na companhia de duas amigas. Para isso, tive que suportar a lenta corrida do relógio. O tempo exigiu, enfim, a confissão da minha idade, que sempre escondi num porta-joias de luxo. Mas era a única chance de me oferecerem uma cadeira.

A Ouvidora – que daria um belo conto como o escrivinhador, o desespero, a ignorância, a catraca, a borboleta – abriu a portinha de vidro e me apontou um assento. Nele esperei que a ampulheta fizesse fluir a areia fininha. De súbito, a senhora retorna com ar consternado: "haviam" decidido pela não abertura de precedentes.

Nada pior na gramática que o sujeito oculto

Não há nada pior, na gramática, do que o sujeito oculto, por isso me comportei de acordo com a expressão de Fernando Pessoa: "calma sob mudos céus": "Vocês levaram uma manhã inteira discutindo um problema rústico e insolúvel?".

Ficaria feliz em saber o nome do decisor. E ela respondeu: "Foi um advogado." "Acha possível informar o nome do meu insigne colega?" "Bem – titubeou a Ouvidora – não foi bem um advogado, foi a diretoria." E logo repliquei: "E os diretores perdem tempo com um assunto de tão ínfima nobreza?"

Levantei-me da cadeira com as pernas com cãibras e acrescentei: "Senhora, meu avô, meu pai e minha mãe faleceram nesse hospital. Antes que eu também morra com um AVC, vou embora. Muitíssimo obrigada pela sua enorme atenção".

Lei Geral de Proteção de Dados

Esse episódio insólito exige uma discussão mais ampla sobre a Lei Geral de Proteção de Dados - Lei nº 13.709/2018 (LGPD).

O especialista sabe que o objetivo maior desse diploma legal é a proteção dos direitos fundamentais, nomeadamente o direito de liberdade e de privacidade, tão vilipendiados no Brasil. Vale a pena, nesse aspecto, rever a Constituição de 1988 que regula o tema no art. 5º, inciso X, que trata da inviolabilidade da intimidade e da honra. Sem esquecer o Código Civil, nos artigos 11 e 21, que considera tais direitos invioláveis, irrenunciáveis e intransmissíveis.

Sem dúvida, um hospital, por razões de segurança, pode e deve solicitar um documento de identificação (bilhete de identidade, carteira de habilitação, passaporte). Todavia, a exigência de captura da foto deve ser informada antecipadamente ao visitante. E sempre atenta ao princípio da "reciprocidade".

A empresa exige o retrato por razões de segurança, mas a segurança é uma via de mão dupla e o visitante é a parte mais vulnerável da relação. Tenha-se em conta que, num mundo em que dados pessoais equivalem a dinheiro e são utilizados de forma criminosa, todo cuidado é pouco.

Basta lembrar os inúmeros casos de fraudes complexas onde os criminosos utilizam a IA para gerar vídeos falsos, manipular fotos para criação de conteúdos pornográficos, imitar vozes para captura de senhas e dados bancários.

Por outras palavras, os ardis, burlas e fraudes se aprimoram na medida em que a tecnologia evolui. Um exemplo recente é o escândalo ocorrido no INSS. A manchete "Os Ladrões de Rosto" (Jornal Globo do dia 05 de junho) também revelou que criminosos estão explorando a tecnologia para driblar a biometria facial. A matéria registra que a Polícia Civil de Santa Catarina deflagrou a operação "Fakemetria" para combater o estelionato praticado por funcionário de operadora de telefonia.

Captura de foto é ilegal

Em conclusão, a exigência de captura de foto para o ingresso em prédios de qualquer natureza é inaceitável e ilegal. Convém lembrar que a LGPD prevê métodos de governança que incluem a designação de um encarregado de Proteção de Dados (também conhecido como DPO), e o cumprimento de tal dispositivo vem sendo totalmente relegado.

Diante disso, seria impossível aceitar a ideia de que um advogado esteja gerando entraves para o ingresso de um visitante numa unidade hospitalar ou prédio. Afinal, mesmo que a velha anedota ainda esteja presente: "onde há dois advogados, há sempre três opiniões", tudo leva a acreditar que o edifício moral e ético da advocacia e das profissões correlatas ainda está intacto.

Em razão disso, talvez seja o momento de esquecer os bacharéis em Direito e pensar na iniciativa dos Congressistas e na desobediência do povo. E não se afirme que os insurrectos serão punidos pelo Sistema. Não se trata aqui de desobediência civil nos moldes preconizados por Thoreau, Gandhi e outros. Trata-se de um protesto justo e pacífico a uma determinação perigosa, ilógica e ilegal, gerada por aqueles que exercem o poder de forma espúria ou bastarda.

*Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em ciências jurídico-políticas.

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