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Lugares de memória, a recifencidade inglesa

Essa presença mais se acentua, quando empresas inglesas aqui se instalaram, para serviços públicos ou privados ............................

Por JONES FIGUEIRÊDO Publicado em 12/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 12/06/2025 às 10:03

Reforço substancial na preservação da memória do Recife é cumprir identificar todos os lugares do passado que continuam como referências da cidade no seu presente, dando-lhes as características afetivas de saudade e de história. São os lugares de memória que escrevem a recifencidade, onde cada período é dotado de um realismo fascinante de época.

Comecemos nos rumos à Estação da Ponte Uchoa, uma antiga estação de bondes, às margens do Rio Capibaribe, na atual Av. Rui Barbosa, nas Graças. Ali foi construído um palácio, em 1847, pelo inglês Henry Gibson. Chegado ao Recife em 1822, fez fortuna na exportação de algodão em caroço. A mansão, de estilo neomanuelino, uma vertente do neogótico, último exemplar hoje existente no país; representa, com maior dignidade, o Recife da era vitoriana.

A Rainha Vitória exercia o seu reinado (1837-1901), e a construção constituiu a presença inglesa na vida do Recife, de população com menos de cem mil habitantes. Anote-se que a primeira operação censitária populacional ocorreu em 1872, registrando Recife com 116.671 habitantes.

Os jardins que a adornam foram os primeiros jardins paisagísticos da cidade, realizados pelo arquiteto e historiador José Luiz da Mota Menezes. O casarão pertence, desde o final do século XIX, à família Baptista da Silva, cujo patriarca Jorge Baptista da Silva, foi o fundador do Banco Nacional do Norte (Banorte).

Muito antes, tem-se o Cemitério dos Ingleses, o "British Cemetery", necrópole construída em 1814, para sepultá-los; quando lhes era vedado serem enterrados em cemitério comum por não professarem a fé católica.

Essa presença mais se acentua, quando empresas inglesas aqui se instalaram, para serviços públicos ou privados, a exemplo:

(i) a Fundição D´Aurora, instalada pela Harrington e Starr, com a produção do primeiro maquinismo a valor para engenhos de açúcar, na América do Sul, em 1829. Começa o primeiro segmento do novo arruamento a denominar-se Rua da Aurora.

(ii) a Holly Trinity Church, conhecida como igrejinha dos ingleses, ao lado da Fundição. Edificada em 1838, perdurou mais de um século.

(iii) a iniciativa do inglês Thomas Sayle, com o transporte dos primeiros bondes da tração animal, com percurso da Matriz de Santo Antônio para lugares mais afastados como Apipucos, Caxangá, Casa Forte, Mangabeira, Monteiro e Jaboatão, a partir de 1839.

(iv) a Great Western Railway Company, iniciada pelos engenheiros Edward e Alfred Mornay, destinada ao transporte ferroviário, com o plano da construção da ferrovia Recife-Água Preta. A pedra fundamental foi lançada em 07.11.1855, com a ferrovia funcionando em 1858.

(v) a "Brazilian Street Railway Limited" ("Companhia de Caxangá") com o serviço de trens suburbanos, a vapor, conhecidos como maxambombas (corruptela de "machine pump"), em 1867.

(vi) a The Western Telegraph Company Limited, do grupo inglês "Cable and Wireless", com a instalação, no Recife, do primeiro cabo telegráfico submarino ligando o país à Europa (22.06.1874), funcionando na Praça do Arsenal da Marinha, no bairro do Recife.

(vii) o London and River Plate Bank, o primeiro estabelecimento bancário, cuja agência foi aberta em 6.08.1884, situada no número 34 da Rua do Comércio, no entorno da praça do mesmo nome, em área do atual Marco Zero, o lugar-gênese da cidade.

(viii) a The Pernambuco Tramways & Power Company Limited, (1914/1957), inaugurando a primeira linha de bondes elétricos (13.05.1914), entre a península do Recife (Recife antigo) e o bairro da Boa Vista.

O Recife inglês, com suas influências, provocou hábitos como o uso do tecido tropical inglês, casimira, gravatinha borboleta, sapatos com polainas, chapéus de palha e bengalas.

Fases e presenças evocam tempos e lugares onde Recife desponta em suas origens, impregnado de realidades. Emblemático, o The British Country Club, foi fundado em 1920, por seis ingleses, destinado a servir de convergência e de convivência à influente comunidade britânica aqui radicada.

O Derby, com sua formação no final do século XIX, então chamado Estância, em referência à estância de Henrique Dias, um dos heróis da Insurreição Pernambucana, em terras que recebeu por premiação ao seu heroísmo, tem seus lugares de memória. Ali funcionou (i) um grande prado de corridas de cavalos, o Derby Club (que denomina o bairro); (ii) um moderno mercado modelo, com 246 salas alugadas para comércio, restaurantes e teatro (o Mercado Coelho Cintra), construído por Delmiro Gouveia, o primeiro shopping center do país, destruído por incêndio criminoso e, finalmente, em seu lugar, o Quartel do Derby (o Quartel da Polícia Militar de Pernambuco), inaugurado em 12.10.1924.

No campo do Derby, foi disputada, há exatos 120 anos (22.06.1905), a primeira partida de futebol da cidade, quando o Sport Clube do Recife, fundado por Guilherme de Aquino, menos de um mês antes (13.05.1905) realizou o primeiro jogo. Enfrentou o "English Eleven", um time de funcionários de diferentes companhias inglesas aqui instaladas, resultando o empate de 2 x 2.

De prenome Jones, cuja origem primária é inglesa, frequente na cultura anglo americana como patronímico, nascido na Rua José de Alencar, na antiga maternidade Freitas Lins, tenho comigo as memórias pessoais. Mesmo antes disso, durante a Segunda Guerra Mundial, ali o tempo esperou o Armistício (Reims, 07/08.05.1945) para meus futuros pais poderem casar-se (1946), vindo

nascer, então, em 1947. Assim, sou por vocação e destino, coração e mente, um filho da paz.

Jones Figueirêdo Alves é, desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista

 

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