Valdecir Pascoal: Ouvir é preciso!
Administrar não é tarefa fácil. Os recursos orçamentários são escassos, enquanto os deveres são crescentes em meio às inúmeras demandas

Vivemos um tempo em que as instituições públicas de controle precisam se aproximar ainda mais dos gestores públicos, buscando não apenas exercer suas competências constitucionais e legais, mas fazê-lo à luz da realidade concreta da administração. Foi com esse espírito que o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) criou o projeto Fala, Gestor — Sua Realidade Conta!.
A iniciativa, que será colocada em prática a partir do segundo semestre, nasceu do desejo de ampliar o diálogo institucional com os gestores públicos. O foco — ao menos neste primeiro momento — serão as gestões municipais, onde os desafios costumam ser maiores. A proposta é simples: promover periodicamente encontros regionais nas sedes de nossas Inspetorias, reunindo prefeitos e suas equipes, que terão a oportunidade de apresentar aos representantes do TCE-PE — conselheiros, auditores e analistas — os principais desafios da gestão.
Administrar não é tarefa fácil. Os recursos orçamentários são escassos, enquanto os deveres são crescentes em meio às inúmeras demandas e pressões sociais. A cada dia, os gestores são chamados a tomar decisões complexas nas áreas da saúde, educação, previdência, segurança, assistência social, meio ambiente, pessoal e gestão fiscal, entre tantas outras. E muitas dessas decisões envolvem escolhas difíceis, que exigem responsabilidade, critério e, sobretudo, sensibilidade.
É nesse contexto que resgatamos o sentido mais genuíno da palavra “auditar”, cuja origem está no latim “audire”, que significa “ouvir”. Ou seja, na sua essência, auditar é escutar. A escuta é, portanto, não apenas um ato de empatia, mas também um fundamento técnico e ético da nossa função institucional. E o projeto “Fala, Gestor” representa exatamente isso: o reforço de uma auditoria que também ouve para compreender melhor, avaliar e julgar com mais justiça.
Uma breve digressão histórica. No Império Romano, os auditores eram pessoas de confiança, incumbidas de ouvir as partes envolvidas em disputas e conflitos administrativos. Eram designados para ouvir relatos, avaliar contextos e, então, formular um juízo de valor. Não havia computador, nem número de protocolo — havia escuta.
Avancemos no tempo. A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em sintonia com os princípios constitucionais do devido processo legal e da proporcionalidade, estabelece que os órgãos de controle devem considerar, em suas análises e julgamentos, os obstáculos e as dificuldades reais enfrentadas pelos gestores. Parafraseando Ortega y Gasset: “O gestor é o gestor e suas circunstâncias”. A realidade conta. Aqui, um alerta: os obstáculos que precisam ser considerados são aqueles estruturais (reais), e não os decorrentes de atos ou omissões dos próprios governantes.
O TCE-PE já atua em diversas frentes dialógicas: por meio da Escola de Contas, que capacita servidores e gestores; de respostas às consultas formais; de resoluções; e de reuniões técnicas. Os gestores, por sua vez, têm assegurado o respeito ao contraditório e à ampla defesa nos processos de contas, em todas as suas modalidades. Diga-se, todavia, que, nessa relação, — tanto atuando de forma pedagógica quanto nos processos formais — é o Tribunal, de fato, quem mais se pronuncia (fala).
O projeto “Fala, Gestor” representa, portanto, um passo além. É o próprio Tribunal que se desloca, que sai da sede, e vai ao encontro da gestão — lá onde vive o cidadão, onde mora a realidade — abrindo espaço para uma escuta mais qualificada.
Mais do que colher informações, trata-se de construir confiança. Ouvir o gestor é fortalecer o controle. Conhecer a realidade local é condição para que nossas auditorias e julgamentos sejam mais focados, eficazes e precisos. Emitir juízo de valor sobre atos de gestão não é um exercício frio de aritmética legal — é um ato de escuta efetiva, de análise atenta dos fatos, de ponderação entre a norma e os contextos. E o maior beneficiado é o cidadão, destinatário das políticas públicas e razão maior da existência do Estado e de suas instituições de controle.
Ao promover essa escuta mais próxima, o TCE-PE reafirma seu papel constitucional de fiscal das contas públicas, mas também se apresenta como uma instituição que, despida de presunções, vieses e ruídos cognitivos, busca ser justo e contribuir para uma gestão pública mais ética, eficiente e responsável. Porque, afinal, ouvir é preciso — e falar é essencial.
Valdecir Pascoal, Presidente do TCE-PE