Eu, Reborn
Mas eu perecerei e você, meu Bebê Reborn, permanecerá. Com uma imensa vantagem: sem "mim" você não precisa ter futuro!..............

...e foi assim que eu me vi, como sugerira em artigo anterior, diante de mim mesmo: este outro deitado em minhas mãos, esse "Bebê Reborn" que mandei fabricar a partir de uma foto de quando eu tinha apenas onze meses, morando em João Pessoa e nos braços de minha mãe!
A reprodução plástica me chegou pelos Correios: imensa caixa que eu já sabia o que continha. Sim, era igualzinho a mim, segundo a fotografia, tamanho e feições muito semelhantes. Peguei-o nos braços, envolvi em lençóis, não vesti (ainda não comprei roupas pra ele) e tive a inesperada oportunidade de me ter nos próprios braços! Nunca tinha me visto quando pequeno, a não ser por fotografias. Agora eu portava a mim mesmo, sorridente, branquinho, cabeludo e indefeso.
Fiquei imaginando o que "ele/eu" pensaria se soubesse que "eu", na verdade, sou "ele", setenta anos depois! O que ele me perguntaria se tivesse voz e consciência? A vida que "tivemos" valeu a pena ter sido vivida? O que eu responderia? O que significa esse inusitado encontro entre a "origem" e o "fim"?
Supomos sempre que a INÍCIO tem perguntas, expectativas, esperanças; o FIM as respostas, boas ou não! A origem pergunta "-Os projetos se realizaram?", "-Você foi feliz?" O FIM responde "- O projeto é seu, meu caro INÍCIO. Faça-o! Se eu te disser algo, estarei administrando teu projeto e ceifando tua liberdade, essa liberdade em que nós começamos algo e nunca saberemos como terminará!".
O problema é que, comigo nos braços, o "projeto"... sou eu!
Na verdade, não sei o que dizer aquele "eu mesmo" plástico. Talvez dissesse que a velhice é o preço que pagamos por ter acreditado em tantos "projetos", a vingança das ilusões, e que só nos resta transmitir nossas esperanças para os outros! O problema é se os que virão forem todos "Bebês Reborn"? Ao menos saberíamos que todos eles estariam fixos no tempo, sem passado consciente, sem futuros esperançosos.
Mas eu perecerei e você, meu Bebê Reborn, permanecerá. Com uma imensa vantagem: sem "mim" você não precisa ter futuro!
PS. Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou situações é uma tragédia!
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE