Por que alguns adultos tratam bonecas como se fossem bebês de verdade?
Esses modelos de bonecas não são nenhum lançamento e as redes sociais já têm, há muito tempo, centenas de canais e perfis dedicados a elas

Você já viu adultos tratando uma boneca hiper-realista como se fosse um bebê de verdade? Mais conhecidas como baby reborn , elas são bastante caras e personalizadas. E, sim, algumas pessoas realmente as tratam como se fossem filhos. Mas o que está por trás disso? É brincadeira? É arte? É sinal de adoecimento? Ou seria apenas mais uma polêmica alimentada pelas redes sociais?
Esses modelos de bonecas não são nenhum lançamento e as redes sociais já têm, há muito tempo, centenas de canais e perfis dedicados a elas. Para a maioria desses, a baby reborn é apenas um hobby. Há também vídeos no YouTube e no TikTok simulando cenas do cotidiano com essas bonecas, muitas vezes como parte de uma brincadeira ou performance, com plena consciência de que se trata de uma encenação. O que vemos nas redes sociais são geralmente performances e ações premeditadas para atrair visualizações, curtidas e engajamento. Afinal, em tempos de viralização, comportamentos inusitados ganham audiência — e com ela, seguidores, monetização e até patrocínio. Esse tipo de reação costuma alimentar o pânico moral — a sensação de que estamos diante de uma ameaça social — mesmo quando se trata de fenômenos restritos a grupos muito pequenos e, na maioria das vezes, inofensivos.
Além disso, há comunidades online em que grupos combinam interações fictícias em torno dessas bonecas. Quando essas brincadeiras são vistas fora de contexto, especialmente por quem não está familiarizado com o universo das baby reborn, podem ser interpretadas como sinais de doença mental — o que nem sempre corresponde à realidade. Como ocorre com outros assuntos que causam estranheza ou viralizam nas redes, o tema das baby reborn já começou a ser explorado por políticos em busca de visibilidade. Em alguns estados, surgem projetos de lei que pretendem limitar ou regulamentar o uso dessas bonecas, muitas vezes sem base técnica ou científica, mas com grande apelo midiático.
Apesar de muitas situações serem explicadas por razões afetivas, criativas ou performáticas, há sim casos em que o comportamento com as bonecas revela sofrimento mental mais profundo. Isso acontece, por exemplo, quando: A pessoa acredita sinceramente que a boneca é um bebê vivo;
Há isolamento social extremo e prejuízo nas atividades da vida real; Ou quando o cuidado com a baby reborn está ligado a sintomas de psicose, luto patológico, etc. Nesses casos, é importante buscar avaliação profissional, especialmente quando há perda de contato com a realidade ou grande sofrimento subjetivo. Por outro lado, para muitas pessoas, cuidar de uma baby reborn ou de outro brinquedo que pertenceram a um filho perdido precocemente, pode ser uma forma simbólica e até terapêutica de lidar com dores profundas. Pessoas que sofreram perdas gestacionais (como abortos espontâneos ou morte neonatal), que não conseguiram ter filhos, ou que vivem o luto por um bebê ou mesmo uma criança maior, às vezes encontram nessas bonecas o consolo mínimo necessário.
É fácil julgar o que não entendemos. Mas por trás de uma pessoa cuidando de uma boneca podem existir histórias de perda, dor, solidão ou apenas vontade de brincar e se expressar. A polêmica série Adolescência, da Netflix, apresenta uma cena extremamente melancólica onde o pai do protagonista simula com um urso de pelúcia, cobrindo-o com um lençol, o cuidado que tinha com o filho.
Em vez de reagir com espanto ou zombaria, talvez valha mais a pena perguntar: o que essa pessoa está tentando comunicar ou elaborar com esse gesto? E se houver sofrimento envolvido, o cuidado — psicológico, psiquiátrico e humano — pode fazer toda a diferença.
João Ricardo Mendes de Oliveira. Professor do Depto. de Neuropsiquiatria da UFPE e Membro da Academia Pernambucana de Ciências