DESIGUALDADE | Notícia

Editorial JC: Imobilidade social no Brasil

Atlas da Mobilidade Social aponta como é difícil melhorar de padrão de vida no país onde os ricos e pobres estão separados por um abismo

Por JC Publicado em 02/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 02/06/2025 às 6:55

Um dos aspectos cruéis da realidade social desigual é a permanência dos fatores que causam a desigualdade, como se, geração após geração, nada possa ser feito para transformar a vida de milhões de pessoas. A miséria nas ruas e calçadas, a pobreza nas comunidades, o déficit estrutural que aprofunda o baixo desenvolvimento humano, fazem do Brasil um lugar onde a desigualdade aparece com clareza – sem que os governos consigam mudar muito o que os cidadãos transmitem de legado, de mãe para os filhos e filhas.

Na obra de referência para a compreensão nacional, que completa em 2025 três décadas de publicada, Darcy Ribeiro enfatiza a estratificação de classes que marca a formação da nação. Em “O povo brasileiro”, o antropólogo aborda a divisão de classes como um elemento dificultador da democracia social.

Os obstáculos são maiores do que as pontes, no cenário social em que a mobilidade é muito difícil. Depois de mais de cinco séculos desde a ocupação portuguesa, o abismo que foi sendo feito não se reduz facilmente. “O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, porque se cristalizaram num ‘modus vivendi’ que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos.

Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social”, escreve Darcy Ribeiro.

O Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social lançou o Atlas da Mobilidade Social, onde se vê que, no Brasil, apenas cerca de 10% da população entre 35 e 42 anos de idade que nasceram entre os 50% mais pobres conseguem ocupar um lugar na faixa de renda dos 25% mais ricos. Segundo o estudo, 49% das crianças nascidas entre 1983 e 1990 passaram a situação melhor do que os pais na fase adulta. E se pertencer aos 25% mais pobres, as chances de chegar aos 25% mais ricos é somente de 2,5%.

Nos Estados Unidos, a possibilidade é triplicada, chegando a 7,5%, enquanto na Suécia passa de 15%.
E mesmo quem alcança o objetivo de vida melhor que a dos pais, na maioria das vezes não consegue sair da larga faixa da metade da população mais pobre. A mobilidade social de relevância no Brasil é um sonho que poucos realizam, como observou Darcy Ribeiro há 30 anos.

Verifica-se uma ascensão entre os pobres, mas o topo da pirâmide segue inalcançável para a maioria, numa jornada mais difícil do que aquela que a população tem a chance de realizar em países desenvolvidos.

Em depoimento para o jornal O Globo, que antecipou aos dados do Atlas, o coordenador do laboratório Data Social da PUC-RS, André Salata, disse que o que está aumentando é a mobilidade para baixo: gerações estão ficando mais pobres do que as dos pais. “A juventude que nasce na classe média tem probabilidade maior que a geração dos pais de recuar de classe social. E está mais difícil subir”, afirmou.

Vale ressaltar que a imobilidade que atravessa a nossa história pouco se alterou nas décadas de governos com discurso contra a desigualdade, já no século 21. Sem mais mobilidade, o desenvolvimento é ilusório, e a concentração de renda se amplia.

Confira a charge do JC desta segunda-feira (2)

Thiago Lucas / SJCC
Charge - Thiago Lucas / SJCC

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