OPINIÃO | Notícia

Misoginia no Senado: quando o ataque a uma ministra é um recado para todas as mulheres

O caso de Marina Silva é emblemático dos desafios estruturais que o Brasil enfrenta em termos de representatividade feminina e compromisso ambiental

Por PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO Publicado em 02/06/2025 às 7:00

O fatídico episódio envolvendo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na Comissão de Infraestrutura do Senado, expõe de forma crua a persistente violência política de gênero no Brasil. As declarações do senador Plínio Valério (PSDB-AM), ao afirmar que "a mulher merece respeito, a ministra não", e sua anterior menção à vontade de "enforcar" a ministra, não são meras "brincadeiras", como ele tentou justificar. São manifestações explícitas de misoginia e desrespeito institucional, que atentam contra a dignidade de uma autoridade pública e, por extensão, de todas as mulheres que ocupam espaços de poder.

O senador Plínio, que nunca apresentou uma política efetiva para a Amazônia em seus anos de mandato, parece acreditar que seu passaporte para a história está carimbado com frases grosseiras. E não é o único. Os ecos do autoritarismo estão se avolumando no Senado. Carlos Portinho (PL-RJ), por exemplo, achou apropriado dar lições de diplomacia à ministra Marina. Disse que ela “precisa entender o Parlamento”, como se a ministra — que já foi senadora e ministra de Estado por três vezes — fosse uma mera novata e não tivesse construído uma carreira sólida e exemplar na política brasileira.

A sub-representação feminina na política brasileira é alarmante. Segundo dados da pesquisa O Mapa Mulheres na Política: 2025, realizada pela Organização das Nações Unidas, o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking global de representação parlamentar de mulheres e a 53ª posição no ranking de representação ministerial. Apenas 18,1% da Câmara dos Deputados é composta por mulheres e, no Senado, elas são 19,8%. Esses números colocam o país entre os piores desempenhos globais nesse quesito. Essa disparidade não é apenas uma questão de justiça social, mas compromete a qualidade da democracia e a efetividade das políticas públicas.

A violência política de gênero, como a sofrida por Marina Silva, é um dos principais fatores que desencorajam a participação feminina na política. A Lei nº 14.192/2021, que visa combater essa violência, ainda encontra obstáculos em sua aplicação, especialmente quando se trata de autoridades nomeadas, como ministras de Estado. É imperativo em sua agenda que o Congresso Nacional fortaleça os mecanismos de proteção e responsabilização para garantir um ambiente político seguro e inclusivo para as mulheres.

Além das questões de gênero, o episódio também revela os desafios enfrentados pelas políticas ambientais no Brasil. A ministra Marina Silva tem sido uma defensora incansável da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável, enfrentando resistências de setores que priorizam interesses econômicos imediatos em detrimento da sustentabilidade a longo prazo.

O plantation, modelo colonial que habita os livros de História como se fosse coisa de passado remoto, continua firme e forte no Centro-Oeste e no Norte do Brasil — só que agora com GPS, drone e crédito rural subsidiado. A lógica é a mesma: vastas extensões de terra, floresta derrubada, soja ou gado no lugar das árvores, tudo isso com altíssima tecnologia e, em muitos casos, baixíssima dignidade trabalhista. O trabalho análogo à escravidão, que deveria ser relíquia, ainda marca presença discreta — e por vezes nem tão discreta — nesse sistema que transforma bioma em lucro rápido. A Amazônia que o diga, ano após ano sangrando hectares sob o pretexto de alimentar o mundo e proporcionar superávits na balança comercial.

A COP30 é a chance de o Brasil mostrar que pode liderar, e não apenas titubear, na agenda climática global. Mas, para isso, precisaria de um Congresso que compreendesse que o século XXI não é um prolongamento ruralista do século XIX. Precisaria de um pacto que colocasse a vida acima do lucro imediato. E Belém é simbólica. É a floresta falando para o mundo. É o Norte, que foi sempre tratado como periferia, no centro das decisões. Mas é também uma cidade cercada por interesses — madeireiros, mineradores, petroleiros — todos prontos para transformar a COP num evento onde se fala de carbono enquanto se negocia carvão.

A atuação de senadores que desrespeitam autoridades públicas e deslegitimam políticas ambientais compromete a imagem do Brasil no cenário internacional e enfraquece os esforços para enfrentar as mudanças climáticas. É fundamental que o Senado Federal reavalie suas práticas e promova uma cultura de respeito, equidade e responsabilidade institucional. Mas se a misoginia é o motor, o combustível é a impunidade. A reação do Senado às falas de Plínio foi morna, quase apática. Nenhuma moção, nenhum afastamento simbólico. Porque ali reina a lógica da autocomplacência: todos erram, e todos perdoam. O pacto da elite política brasileira é sempre pela sobrevivência dos seus, mesmo quando essa sobrevivência implica em tornar os espaços institucionais inóspitos para quem ousa ser diferente.

O caso de Marina Silva é emblemático dos desafios estruturais que o Brasil enfrenta em termos de representatividade feminina e compromisso ambiental. É hora de transformar indignação em ação concreta, fortalecendo as instituições democráticas e promovendo uma política que reflita a diversidade e os valores da sociedade brasileira.

A violência política de gênero, como a que vimos na última semana, não é exceção — é método. Compreendemos que enquanto o Senado não assumir sua cumplicidade, restará à sociedade civil — e às mulheres brasileiras — ocupar as ruas, as redes e as urnas. Porque, se depender do Senado, a política continuará sendo uma casa de homens velhos, brancos, decrépitos, de fala ruidosa e ouvidos moucos para o futuro. E as eleições de 2026 estão logo ali!

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e doutorando do PPAD/UNAMA.

 

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