Mozart Neves Ramos: 'Finalmente o marco regulatório do EaD'
Essa modalidade cresceu de forma exponencial e ao mesmo tempo desordenada, sem o cuidado no que se refere à qualidade e à natureza dos cursos

Na última segunda-feira, foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva o decreto regulamentando o uso do ensino a distância (EaD) nos cursos de graduação em nosso país – uma medida aguardada já faz algum tempo pelas instituições de Ensino Superior.
Na última década, essa modalidade de ensino cresceu de forma exponencial e ao mesmo tempo desordenada, sem o devido cuidado no que se refere à qualidade dessa oferta e à natureza dos cursos oferecidos, especialmente aqueles da área da saúde e da formação de professores.
Com o advento da pandemia e a queda na procura pelos programas de financiamento público para alunos estudarem no Ensino Superior privado, o caminho encontrado pelo setor foi a massificação da oferta de EaD, para que essas instituições não viessem a fecharas portas.
O problema é que essa massificação veio sem manter, na maioria dos casos, critérios mínimos de qualidade, como o número máximo de alunos por tutor e a qualidade da infraestrutura dos polos de EaD, sem falar na própria qualidade das aulas. A título de exemplo, menos de 1% dos cursos de EaD obtiveram nota máxima no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).
Assim, considero a medida do governo acertada, no sentido de frear e organizar essa oferta desordenada de EaD. Todavia, tenho alguns questionamentos, talvez pelo fato de o Ministério da Educação (MEC) não ter feito uso de uma base empírica nas decisões tomadas.
Dentre as principais mudanças está, por exemplo, a proibição da oferta de EaD em cinco cursos: Direito, Medicina, Odontologia, Enfermagem e Psicologia, que deverão ser ofertados exclusivamente no formato presencial, devido à necessidade de atividades práticas intensivas e estágios supervisionados.
Mas tenho dificuldade de entender porque algumas das atividades curriculares desses cursos não poderiam ser oferecidas por meio das novas tecnologias. Hoje, profissionais egressos desses cursos fazem consultas e audiências usando tais tecnologias, sem falar no impacto que o emprego da Inteligência Artificial provocará nessas atividades.
Ao menos para mim, pareceria mais lógico que o modelo semipresencial fosse opcional ao 100% presencial, desde que fosse preservada toda a carga horária prática e parcela da teórica no modelo presencial, mas dando assim flexibilidade para o restante da carga horária, em consonância com a estrutura curricular de cada curso.
Esse modelo semipresencial se aplicará à formação de professores e a outros cursos da área da Saúde, como Farmácia e Fisioterapia.
Pela falta do uso de base empírica nessas decisões do MEC, surge, a título de exemplo, a seguinte dúvida: para mim, Fisioterapia requer uma base de formação prática relativamente maior do que a Psicologia e o Direito. Por que então a primeira atenderá ao modelo semipresencial, enquanto os dois últimos terão de ser 100% presenciais?
No que se refere aos polos de EaD, o MEC vai exigir requisitos mínimos de infraestrutura, que incluem salas de aula, ambientes de estudo, laboratórios e acesso à internet. Além disso, não será mais permitido o compartilhamento de polos entre as instituições.
Para que isso se efetive na prática, o MEC não pode se descuidar da supervisão. Também concordocom o limite de alunos por turma em aulas síncronas, ou seja, online ao vivo, que não poderão ter mais do que 70 alunos por professor ou mediador pedagógico – este formado na disciplina que estiver lecionando.
Todo o sistema universitário terá, a partir da publicação desse decreto, até dois anos para se adequar às novas regras. Assim, os estudantes que já estão matriculados em cursos que deixarão de ser oferecidos à distância poderão concluí-los no mesmo formato acordado no início do curso.
Vamos agora acompanhar o modo como isso se dará na prática e como reagirá o setor particular de Ensino Superior por onde efetivamente se deu o crescimento de EaD no país.
*Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE