Claudia Molina: 'Trade-off, a solução incômoda para resolver conflitos'
Trade-off é saber que viver em sociedade implica abrir mão de certos impulsos, ceder em interesses individuais para garantir a estabilidade coletiva

A paz não é um presente, mas uma construção que exige maturidade e coragem para aceitar um princípio básico: o trade-off. Quem trabalha com segurança pública sabe que a violência que explode nas ruas tem raízes profundas na incapacidade das pessoas de entender que toda convivência exige renúncia.
Trade-off é saber que viver em sociedade implica abrir mão de certos impulsos, ceder em interesses individuais para garantir a estabilidade coletiva. Mas o mundo moderno rejeita essa lógica. Queremos liberdade sem responsabilidade, direitos sem deveres e poder sem limites.
Essa recusa em aceitar a troca necessária, gera o ambiente perfeito para o crescimento da violência, seja doméstica, urbana ou política.
Violência e plataformas digitais
Hoje, a violência não nasce apenas nos becos, pois é alimentada também nos grupos de WhatsApp, redes sociais e bolhas digitais, que transformam divergências em batalhas pessoais. A falta de trade-off nesses espaços virtuais reforça a intolerância, porque ninguém quer ceder ou admite perder. O diálogo vira ofensa, a crítica vira ataque e a convivência vira guerra.
No campo da segurança pública, vemos os efeitos concretos desse fenômeno. São famílias destruídas, ruas tomadas pela sensação de medo, instituições pressionadas a reagir a uma violência que poderia ter sido evitada na origem, seja na educação para a convivência ou na promoção da responsabilidade compartilhada.
Democracias fortes também são construídas com trade-offs: o cidadão respeita as leis para ter proteção; o Estado limita seu poder para preservar liberdades; a sociedade aprende a mediar interesses para manter a ordem.
Quando essa lógica é rejeitada, surgem os radicalismos, as soluções fáceis baseadas na força bruta, e assim, a paz desmorona.
Gestão inteligente de conflitos
Paz não é ausência de conflito, mas a gestão inteligente dele. Geri-lo exige ceder e aceitar perdas pequenas, para proteger conquistas maiores. Enquanto não reconhecermos o preço real da convivência, que é perder um pouco do nosso orgulho, da nossa razão absoluta e necessidade infantil de vencer sempre, continuaremos presos a ciclos de violência cada vez mais intensos.
Portanto, o trade-off é o preço da paz, pago com a coragem de calar o ego para construir entendimentos.
*Claudia Molina é vice-presidente da ADEPPE