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O suicídio fiscal de Lula

Vivemos em um país que sequestra a cada dia o seu futuro, submetido a renúncias tributárias e metas fiscais irracionais que concentram renda e poder.

Por PAULO RUBEM SANTIAGO Publicado em 22/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 22/05/2025 às 10:49

Em 15 de abril último o governo Lula enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei para as Diretrizes Orçamentárias de 2026 (PLN 02/2025), trazendo as estimativas até 2029 para a inflação (IPCA), o câmbio, o salário-mínimo, o crescimento anual do PIB e as variações da taxa SELIC. Agora, no Congresso Nacional, as consultorias de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados e do Senado Federal iniciam sua tradução, por meio do Raixo-X do orçamento.

Na apresentação do projeto o Secretário do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Clayton Montes, afirma que o PLN 02/2025 atende "às expectativas de mercado": A meta de superávit primário para 2026 será de R$ 34,26 bilhões (0,25% do PIB) para o governo central (orçamentos fiscal e da seguridade social), subindo em 2029 para 1,25% do PIB (cinco vezes maior), com o PIB estimado até lá em R$ 16,7 trilhões de reais.

Assim, a meta de superávit de 1,25% sobre essa projeção indica um valor superior a R$ 208 bilhões, enquanto a evolução da relação dívida/PIB traz um salto de 78,5% em 2025 para 84,2% do PIB em 2029, quando atingirá R$ 14,06 trilhões, valores recordes na história. Ou seja, mesmo com previsão de uma taxa SELIC declinante (de 14,02% em 2025 para 7,27% em 2029), e com esse mega superávit primário, a dívida, ainda assim, crescerá, triturando a capacidade de investimento do Estado brasileiro, comprometendo o PIB e piorando a relação Dívida/PIB.

Além disso, se a dívida em títulos públicos de curto prazo de março de 2025 (02 anos, 38,21% ou R$ 2,750 trilhões) for mantida em 2029 teremos R$ 5,370 trilhões vencendo entre 2029 e 2030, gerando-se enormes pressões para o pagamento dos juros e amortizações, com mais e mais cortes de gastos não financeiros para tais fins. Sabemos o que isso significa. De acordo com o Banco Central, em doze meses, os juros nominais alcançaram R$ 935,0 bilhões (7,80% do PIB) em março deste ano. Olho esses números e penso na entrevista coletiva que assisti no dia 15 de abril passado, com os Reitores das Universidades Federais de Pernambuco denunciando os cortes em seus orçamentos de custeio e capital. Para piorar, em 30 de abril o governo Lula publicou o Decreto 12.448, tirando R$ 2,5 bilhões do MEC.

Imagino o que restará dessas instituições em 2029 com esse projeto de lei e suas metas fiscais, um suicídio fiscal de Lula ainda em 2025 e 2026, e do próximo presidente, até 2029. Além disso, a a Lei Orçamentária de 2025, já aprovada, prevê concessão de R$ 543,7 bilhões (19,7% da arrecadação e 4,4 % do PIB) em benefícios tributários (renúncias fiscais) e R$ 134,2 bilhões em benefícios creditícios e financeiros (equivalentes a 1,1% do PIB). Juntos, superam o investimento do país inteiro em educação básica e superior públicas, estagnado em 5,1% em 2022.

A situação se agrava com uma dívida ativa tributária federal de R$ 3,0 trilhões, com 0,39% dos devedores (27,4 mil) concentrando R$2,1 trilhões dessa dívida, segundo o Raio-X do Orçamento antes referido. Vivemos, portanto, em um país que sequestra a cada dia o seu futuro, submetido a renúncias tributárias e metas fiscais irracionais que concentram renda e poder. Com essas diretrizes, sem sequer debaterem os fundamentos econômicos que imperam no país desde a Lei Complementar 101, de 04/05/2000, as forças que derrotaram a direita e as políticas econômicas de Paulo Guedes em 2022 aliam-se novamente a ele, o que já haviam feito a favor da austeridade no novo arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/2023), com graves consequências para a democracia e os direitos sociais. Afinal, como alerta a economista italiana Clara Mattei, foi dessa forma que alguns economistas inventaram a austeridade fiscal e abriram caminho para o fascismo.

Paulo Rubem Santiago Ferreira, professor da UFPE,  doutor em Educação., ex-Deputado Federal (2003-2014).

 

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