OPINIÃO | Notícia

Gustavo Krause: O IN$$

A bilionária fraude dos descontos não autorizados no INSS é um exemplo flagrante do conluio entre o crime organizado e a gestores corruptos

Por GUSTAVO KRAUSE Publicado em 17/05/2025 às 17:44

“Atrás de todo paladino moral vive um canalha”. Esta é uma das célebres frases de Nelson Rodrigues. A ele não importava se deixava a direita perplexa e a esquerda indignada. Por princípio, era um polemista. Não temia ir contra a opinião geral e respondia ao rótulo de reacionário porque assumia “a reação a tudo o que não presta”.

Na sua extensa obra de cronista, escritor, dramaturgo, Nelson criou arquétipos que se fundiam na dimensão trágica (ou generosa) da natureza humana. O realismo da “vida como ela é” representa um choque do que somos refletidos, cruamente, na imagem de um espelho que não mente. Nem por isso, impede a autodefesa da hipocrisia que é “a homenagem que o vício presta à virtude”.

Suas frases e seus personagens funcionam como uma espécie advertência diante do enorme palco da misteriosa peça que é a vida social. Vou me fixar no moralista. Em geral, um sujeito sisudo; que não sabe rir: gargalhar, para ele, é uma ofensa; exala um ar misterioso e sempre pronto para as reprimendas e apontar, mesmo como dedo sujo, as falhas dos seus semelhantes.

Não importa a condição social ou a profissão, ele é um transgressor nato. Claro que sua atuação se amplia na medida em que se achando “um homem de bem”, tem enorme apreço pelos poderes econômico e político, tornando-se extremamente perigoso quando se insere no espaço público como “um gestor competente da maldita burocracia” ou como um “legítimo representante do povo” em qualquer esfera dos poderes de República.

Quanto mais alta a escala da “autoridade” mais perigoso se torna o moralista. Na disputa eleitoral, o discurso é o da moralidade; o zelo pelo “dinheiro do povo”; a prioridade é combater os privilégios e erradicar os males da desigualdade social com políticas públicas que atendam as necessidades básicas dos excluídos. E de forma enfática, soa a promessa: acabar com a corrupção e punir com cadeia os culpados pelos desvios do dinheiro público!

Aí está a síntese do discurso populista! E tem aderência política e eleitoral. A ele se incorpora o inimigo número um dos mais necessitados: quem? Ora, os políticos! Eis a grande mentira: combater o “mal da política” com os mecanismos da Política (P maiúsculo), essenciais para o bom funcionamento da democracia e prosperidade socioeconômica.

A despeito de uma sequência de graves escândalos, não me incluo entre os que bradam generalizações do tipo “o Brasil é o país mais corrupto do mundo” e “é um mal que não tem jeito”. De fato, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) divulgado em 2024 pela Transparência Internacional mostrou o Brasil na 107ª posição entre 180 nações uma queda de três posições em relação a 2023. Trata-se de uma posição desconfortável e que não pode caracterizar uma tendência.

No entanto, dentre os fatores que influenciaram a queda está uma séria referência ao “crime organizado nas instituições estatais”. Isto significa que a criminalidade aperfeiçoa os métodos da delinquência utilizando servidores públicos corrompidos e meios eletrônicos articulados a uma inteligência criminosa.

De outra parte, é preciso reconhecer que os órgãos de controle têm exercido um papel importante na difícil missão de desvendar, investigar, processar colaborando decisivamente na punição dos culpados. Nunca é demais lembrar: a impunidade é o solo fértil em que floresce a ação criminosa.

Neste sentido, a bilionária fraude dos descontos não autorizados de benefícios do INSS, objeto da operação “Sem Desconto”, deflagrada pela PF e pela CGU, é um exemplo flagrante do conluio entre o crime organizado e a gestores corruptos que, entre 2019 (há controvérsias) e 2024, se apropriaram de valores em torno de R$ 6,3 bilhões.

Observando o tempo em que o crime foi consumado e a enormidade dos valores furtados há motivos suficientes para rebatizar o INSS como IN$$, uma espécie de casa da moeda que tira o dinheiro dos pobres para dar aos “ricos” proprietários de carrões luxuosos, obras de arte, joias e um padrão de vida dos bandidos que infestam nosso país.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco

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