CPMI sim, sem espetáculo
As investigações necessárias que podem apontar o mesmo problema em dois governos antagônicos, não podem virar palco político e eleitoreiro

A instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Brasil atende, quase sempre, a condições políticas que indicam fragilidade da base aliada do governo da hora, bem como, o cálculo de eventuais ganhos eleitoreiros no pleito que se aproxima do período das investigações. Desta vez, o escândalo dos descontos indevidos nas contas de aposentados do INSS está recheado de fatos desabonadores – e graves – para os governos Jair Bolsonaro e o atual, de Lula. E além do Executivo, há que se buscar também a participação de deputados e senadores nos esquemas, afinal, partiram do Congresso decisões que beneficiaram as entidades utilizadas como fachadas para o sumidouro do dinheiro público.
E até o Poder Judiciário entra em suspeita, quando a Controladoria-Geral da União (CGU) isenta de dúvidas grandes entidades por onde passaram milhões de reais nos últimos anos, via desconto na folha dos aposentados. Se uma dela está ligada ao irmão do presidente da República, são os envolvidos que devem explicações, e Lula vem a ser o maior interessado no esclarecimento da situação. O salto de benefícios fraudados desde o início da atual gestão no Palácio do Planalto é um ponto importante para as investigações, mas não é o único caminho a ser seguido, até porque tudo começou na administração Bolsonaro, com os mecanismos legais que permitiram a distorção, sob as bênçãos de parlamentares, na época, do governo e da oposição, especialmente do PT que, em seguida, assumiu o poder – e ao invés de estancar a sangria, viu o assalto ganhar maior magnitude.
Somente em abril de 2024, uma entidade com sede em Pernambuco – a Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Nação (Abapen) – cadastrou mais de 250 mil filiações. Em maio, foram feitas apenas 75 cadastramentos. Dados como esses levantam suspeitas que precisam receber a luz de devidas investigações. A criação de uma CPMI pode acelerar o processo. E proporcionar um diálogo interessante, talvez inédito, no Congresso, para acompanhamento da população, a respeito da origem e da manutenção de um esquema gigantesco de roubo aos cofres públicos, possivelmente com a participação de integrantes dos dois polos políticos que se sucedem no Planalto desde 2019.
Além disso, a própria CPMI seria o ambiente ideal para a discussão do papel do Legislativo, como facilitador do esquema, através da aprovação de leis que dificultam a fiscalização, como parece ser o caso. Qual o interesse do Congresso no desmantelo do INSS para fins espúrios, imorais e ilegais? Certamente nenhum, e os ajustes hão de ser feitos para que a responsabilização de cada um dos Três Poderes se faça em sua medida, com o intuito de prevenir novos abusos contra a população brasileira.
A aprovação de uma comissão parlamentar de inquérito responde a uma demanda que transcende o bate-boca de quem começou o que na desavergonhada ofensiva aos aposentados. O país espera equilíbrio e justiça, sem holofotes sobre disputas inúteis de olho no voto.