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Uma grande história

O livro revela uma trajetória nada comum, a de um homem incomum. ... A saga majestosa do empresário João Carlos Paes Mendonça......

Por JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHOjp@jpc.com.br Publicado em 16/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 16/05/2025 às 9:56

Essa é a história improvável de um menino que trocou sua infância pela aventura (quase insensata) de conquistar o mundo. Por saber, desde cedo, qual roteiro estava prometido para ele - o de escapar das entranhas do Brasil popular e profundo para ser um dos grandes personagens de seu país.

Em bem conhecido livro escrito há exatos 50 anos, Surveiller et punir, Michel Foucault dizia que ao ver riscos deixados na neve era capaz de saber os pesos e as habilidades dos esquiadores. Razão pela qual concluiu "A identidade é uma trajetória". O que vale para o presente caso. Aqui, neste livro, se fala dos caminhos percorridos por João Carlos Paes Mendonça. O que faz lembrar o poeta do rio Guadalquivir, Don Antonio Machado Ruiz, em Proverbios y cantares:

"Caminhante, são tuas pegadas

O caminho e nada mais

Caminhante, não há caminho

Se faz o caminho ao andar".

Falava de barcos sem nenhuma rota, nas águas em frente, só com "estrelas no mar" pelas quais se guiam os navegadores. Deixando, atrás de si, espumas que podem ser seguidas. Como uma estrada. Uma vereda. Um caminho. E lembro, pela proximidade nos temas, salve António Gedeão (na verdade Rómulo Vasco da Silva Carvalho) que, em Impressão digital, escreveu:

 "Inútil seguir vizinhos

Querer ser depois ou antes

Cada um é seus caminhos

Onde Sancho vê moinhos

D. Quixote vê gigantes.

 Vê moinhos? São moinhos.

Vê gigantes? São Gigantes".

 Uma bela definição, "cada um é seus caminhos". O dos esquiadores na neve, de Foucault. O dos navegadores, no mar de Machado. Os que definem o personagem desse livro, a partir de Gedeão, ao mesmo tempo como Sancho e Quixote. O Escudeiro na compreensão de que, para sobreviver na atividade econômica, deveria jogar as regras do mercado. E fez isso bastante bem, não há dúvida, tanto que é hoje um dos mais importantes empresários do país. Mas foi também o Cavaleiro Andante, nas ações sociais, em que igualmente se destacou de maneira exponencial. Cumprindo, na vida, pelo menos três compromissos principais. A ver:

O primeiro compromisso é íntimo, com o ser correto numa dimensão ética. Razão pela qual sempre mereceu respeito de todos e cada um dos que cruzaram com ele, nesse mundão de meu Deus. Desde muito jovem, que já estava trabalhando na loja do pai quando todos em volta, na sua idade, ainda jogavam bolas de gude. E pensou generosamente, sempre, sem limites, cercas ou fronteiras.

O segundo compromisso é com o coletivo. Nos comentários econômicos que publica nos jornais, por exemplo, não se apontará um sequer em que tenha defendido interesses pessoais. Ou de suas empresas. São sempre temas ligados a algo mais amplo, o interesse público. Como o embate contra as desigualdades regionais. A falta de racionalidade no planejamento da ação governamental. Mais recentemente, a necessidade de desburocratizar o país. A preocupação com o futuro. E nunca em tom de frustração, de lamento, de perda, sentimentos hoje banalizados em nossas elites. Ao contrário, demonstrando sempre confiança no futuro. A mesma que teve quando saiu, sem sair, de Serra do Machado.

O terceiro compromisso, aquele que considera hoje mais relevante, é com o social. Em razão do que vai passar pela existência deixando marcas a perdurar. Ele, que veio de baixo e ascendeu pelo duro suor do rosto, sentia no coração que seu dever seria o de permitir que tantos jovens, como os que um dia foi, tivessem a chance concreta de ter inclusão social a partir de educação e ensino de ofícios. No sonho implausível de escrever seus próprios destinos. Uma missão, literalmente, redentora. E faz isso já por quase todo o Nordeste, como adiante se verá melhor nessas folhas.

Em Serra do Machado seu Zezinho, com rosto que parecia fazer parte da paisagem, apontou a casa de sua família dizendo "João nasceu aqui"; e confirmou, em seguida, "com 9 anos ele já tomava conta da loja do pai". A imagem talvez seja uma chave para desvendar aquela trajetória que é sua identidade. Indicando que se pode partir, sem nunca partir realmente. Sua presença, naquela pequena cidade, era um resgate da infância que não teve. Um como que retorno às origens da família, aos sonhos e às memórias de um tempo sem volta. Um compromisso com crianças quase sem futuro. Provando que difícil nem é vir de um lugar perdido no mapa, como Serra do Machado, para ser cidadão do mundo. Difícil, mesmo, é vir de Serra do Machado e não esquecer disso. Sem se perder no caminhar.

Robert Frost (em Poemas completos) escreveu: "Alguns dizem que o mundo acaba em fogo/ Outros dizem que em gelo". No seu caso, não é o mundo que finda, mas começa, com o fogo - o livro e a história adulta dele próprio. No tanto em que as chamas, ao destruir tudo que tinha construído até então, valem como um convite a começar de novo. Com ânimo redobrado. Com uma força que vem de dentro. E esse fogo haverá de perdurar em torno dele, para sempre, nas gerações que virão. A partir de seu exemplo.

No fundo, este livro revela uma trajetória nada comum, a de um homem incomum. Razão pela qual é com alegria e justiça que se vê agora, em livro, a saga majestosa de João Carlos Paes Mendonça.

*Prefácio para O grupo e a trajetória de JCPM, livro lançado nesta segunda (12/05/2025).

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

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