Aula Magna
AULA MAGNA é, agora, um momento inicial de reflexão sobre, não o que esperar da Universidade, mas do Mundo Comum que o futuro nos prometeu!

Na semana passada o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, proferiu a Aula Magna que abre o ano letivo universitário, na presença de autoridades acadêmicas e políticas, professores, técnicos, além de um grande número de alunos, veteranos e novatos.
Quando eu entrei na UFPE, em 1975, em plena ditadura militar, não havia propriamente uma "aula magna" com a função de apresentação de um tema que envolva, não apenas a apresentação do mundo universitário a quem nele chega, como as expectativas que se pode alimentar - com certo cuidado!- ao se entrar naquele universo. Lembro, no entanto, de uma palestra de recepção no CFCH, proferida pelo professor Nilo Pereira sobre o conceito de "pernambucanidade", um tema, portanto, que não dizia nada da atualidade e da gravidade política de um regime autoritário e seus reflexos na Academia. Aquela época, aqueles homens, aquele governo não permitiam isso: a simples reflexão sobre o que significa nossa "contemporaneidade", e qual o papel da Universidade na elaboração dos conceitos e categorias que nos permitem compreendê-la.
É nesse sentido que a palestra do Ministro Flávio Dino ganha toda sua relevância propriamente acadêmica, mas também política e social, palestra com o título "O impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho". Antecedida por um discurso panegírico pronunciado pelo Diretor da Faculdade de Direito (onde o Ministro Dino fez seu Mestrado, sob a orientação de meu amigo Raimundo Juliano), o professor Torquato Castro mostrou, retomando Aristóteles, a relação entre a Justiça e a Política e, sobretudo, do papel da política na construção do futuro: estamos "condenados", em regimes democráticos (por quem Aristóteles não nutria grandes simpatias!) a nos defrontar com opiniões e visões de mundo diferentes e conflitantes. Mas, sem a existência de um espaço onde esse encontro "agonístico" (de "Agon", conflito) possa se realizar, teremos, não um futuro, mas a instalação da "Idiotia": a recusa deliberada de participar das decisões que orientam a vida comum. É nessa "vida comum" que a política e o futuro se encontram: qualquer que seja nosso futuro, ele será o resultado de uma aventura política!
E é aqui onde a palestra do Ministro Dino ganha todo seu significado. Num mundo dominado pelo "tecno-determinismo", em que começam a desaparecer os homens e suas inteligências, para dar lugar a um maravilhoso e perigosíssimo universo algorítmico, o que podemos esperar? Aliás, a pergunta estava dirigida, como alerta e como prenúncio, os nosso jovens estudantes. Todo o problema, levantado naquela conferência, estava em saber, a meu ver, se o conceito de TRABALHO, que produziu e afirmou tanto nossa condição propriamente humana, separada da Natureza, assim como a alienação de nossas relações com os outros, ainda poderá ser usado como suporte antropológico de nossa Humana Condição; quer dizer, se o fardo do trabalho, aliviado pela tecnologia, nos ofertará mais liberdade, de tempo, de ação, de imaginação, de criação, de reflexão...
No capítulo XXIV d'O Capital, sobre a chamada "Acumulação primitiva", Marx mostra que, libertado das cadeias feudais que os prendiam à terra, os trabalhadores, vindos para as cidades e esvaziando os campos, se tornaram "livres", na conhecida ironia de Marx: livres para vender sua força de trabalho e receber, em troca, o suficiente para sobreviver... e continuar produzindo valores. Quando as máquinas da Revolução Industrial se desenvolveram e tomaram empregos, os Luddistas ingleses (o Ministro lembrou essa passagem) achavam que destruindo as máquinas, voltariam aos empregos perdidos!
O que está ocorrendo hoje, em nossas relações de trabalho, tem algo de semelhante àquela suposta "liberdade": livre de patrões, definindo seus horários de trabalho, suas metas financeiras, sua semana, suas férias, seu décimo terceiro; proprietário de sua "força produtiva" (seu Uber, sua bicicleta, sua moto, seu celular...), temos a impressão de que o projeto "socialista" finalmente se realizou, e com um preço muito mais danoso (porque mais intransparente) do que o fracassado stalinismo soviético: aqui a possibilidade de ação política para definição do futuro, desaparece, junto com os sindicatos, com as mutualidades, com as leis trabalhistas, com a proteção previdenciária: NEO-PROLETÁRIO DO NOVO MUNDO, ESTÁS SÓ! O Ministro chegou a lembrar que a nova forma de "bulling" entre os jovens é chamar alguém de CLT ou de CTPS: sinônimo de fracasso individual e social! "Ó liberdade! Quantos crimes se cometem em teu nome!"
Foi sobre esse alerta de um Mundo supostamente mais "livre", em que nossos jovens alunos exercerão sua vida profissional, que reside toda a relevância das intervenções de Torquato e de Dino, que recebeu, naquela solenidade, o título de Honoris Causa da UFPE.
Felizmente, a AULA MAGNA é, agora, um momento inicial de reflexão sobre, não o que esperar da Universidade, mas do Mundo Comum que o futuro nos prometeu!
Flávio Brayner , professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE