Habemus Papam
Na antiguidade grega se ensinava que a virtude reside no meio-termo, no equilíbrio entre dois extremos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Encerrado o mais recente conclave no Vaticano e nele havendo sido eleito após o quatro escrutínio o cardeal de origem norte-americana Robert Francis Prevost, de 69 anos, agora Papa Leão XIV, impõe-se entender que mensagem central a escolha em questão carrega consigo, o que ela nos transmite.
Sob um viés filosófico, me parece possível afirmar, ao menos nesse instante, que a eleição de Prevost foi uma eleição muito bem pensada. Não uma eleição aleatória. Nem uma eleição por ausência de opções ou eliminação de hipóteses, entre o ruim e o pior. Uma eleição olhando para a frente. Uma eleição pelo equilíbrio. Se um Papa quer, ele revoluciona a ordem global. Franscisco, por exemplo, certamente o fez. Oxalá Leão XIV o faça também.
O agora "Pastor de duas pátrias", cuja maior parte de sua vida religiosa se deu na América do Sul, especificamente no Peru, fluente em espanhol, que ocupou sob o pontificado de Francisco a prefeitura do Dicastério para os Bispos, o que lhe emprestou um conhecimento profundo da estrutura da Igreja e uma interlocução global singular, que é o mais jovem Pontífice dos últimos 35 anos, passa a ocupar a ribalta e a ser a voz de milhões. Figura simples, pacata, que não esconde quando se emociona, precisará comprovar que sabe muito bem aonde deseja ir. Calçar os sapatos de Francisco. Ser um agente de compromisso com os pobres, os migrantes, os marginalizados, as vítimas de preconceito, os excluídos da sociedade.
Prevost compreende a Igreja como uma instituição de vocação missionária, de acolhimento, que deve ir aonde as pessoas estão, mormente às periferias. Desenha um horizonte ensolarado. Dono de uma reconhecida capacidade de ouvir, do respeito pela diversidade eclesial e da sabedoria de balancear tradição e misericórdia, pode não representar o progressismo reformista que muitos sonham ter, sobretudo nas pautas de costumes, mas seguramente não é um reacionário. Por isso lhe foi confiada por Francisco a renovação de um episcopado excessivamente polarizado, carente de pastores com alma ao invés de burocratas. E ele assim o fez. Arregaçou as mangas e montou uma nova geração de bispos, escolhidos pela sua proximidade, humildade e compromisso social, não por alinhamento ideológico. É, de quebra, um sacerdote admirado como gestor honesto, outro bálsamo em uma Igreja até bem pouco tempo mergulhada em escândalos, inclusive, financeiros. Não fosse a renovação implementada pelo Papa Francisco (Bergoglio) no colégio cardinalício, tornado muito mais representativo, ainda que exclusivamente masculino, sobre que perfil de Papa poderíamos hoje estar a comentar?
Encaro com esperança o novo Papado. Só o fato de Sua Santidade haver citado tantas vezes, em sua primeira fala, as palavras paz e diálogo, me dizem muito. Para além dos rótulos de progressista ou conservador neste ou naquele tema, o que mais
interessa sobre Prevost é que responda com ações e gestos a uma singela pergunta: que projeto de humanidade o novo Papa abraça e defende?
Pelo que dele se sabe, é o projeto de uma humanidade do diálogo. Diálogo sinônimo de qualificar a capacidade de se dirigir ao outro, sobretudo, nas diferenças. Diálogo, o inverso do ódio. Guerras, acirramentos políticos, fundamentalismos, inimizades abruptas e gratuitas, crises familiares, tudo acaba sendo produto da incompetência de dialogar. Só o diálogo constrói.
Segundo Wolmer Tavares, em artigo muito interessante com que me deparei na internet: "A intolerância e a disseminação do ódio tem acabado com os diálogos entre as pessoas e consequentemente, aumentado o preconceito e as imbecilidades. As imposições ideológicas prevalecem e os imbecis alienados se acham no direito evocar a violência para erradicar o diálogo, já que para estes, prevalece sempre um discurso estéril, mas defendido como uma única verdade". O diálogo, ele complementa, é a base de toda educação. A relação pedagógica, ele conclui, é antes de tudo uma relação dialógica. Assino embaixo.
Que seja consequencial o pontificado do Papa Leão XIV. Bem-vindo, Santidade.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado