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Os 40 anos do fim do nosso mais longo inverno

Nosso principal desafio, enquanto Nação, sem dúvida, é o da libertação do carma e do drama de uma sociedade adoecida na sua identidade mais profunda.

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 10/04/2025 às 0:00 | Atualizado em 11/04/2025 às 10:15

Chegamos ao ponto em que os de bom senso quase estão dando de ombros. Faz-se hora de restaurar certas premissas inegociáveis. Premissas que a todos precisam condicionar.

Dentre tais premissas, exsurge a da proteção do regime democrático. Ora, apesar da vedação (corretíssima) da censura prévia, certas narrativas e atitudes, porque atentatórias a princípios fundantes republicanos, não podem ser relativizadas, nem esquecidas sob o pretexto de que, em uma democracia, tudo se admite quando a intenção é "patriótica". Não há liberdades fundamentais absolutas.

Foram relembrados recentemente os 40 anos do final do período ditatorial que nos atirou na escuridão de múltiplas violências entre 1964 e 1985. Os fatos demonstram, a partir do conceito de Theda Sckopol, que não são a mesma coisa um movimento revolucionário e um movimento golpista. O último envolve a tomada do poder por um grupo para a substituição das autoridades políticas existentes. O segundo é a expressão da vontade popular e suas proporções são superlativas, brotando das bases e envolvendo grande número de pessoas. O que o Brasil amargou foi golpe.

Quando atos de rua em avenidas de grandes centros urbanos são convocados para cobrar o apagamento de crimes de lesa pátria, como o de tentativa de golpe de Estado, torna-se ainda mais significativo o aprendizado do processo que nos conduziu à manhã da sexta-feira dia 15 de março de 1985, no Congresso Nacional, ocasião em que, sem discurso, nem festas, José Sarney assumiu a Presidência do Brasil e a seguir foi para o Palácio do Planalto, empossou o Ministério e disse: "Estou com os olhos de ontem".

Quem está perto do cinquentenário de vida recorda que, em 1985, Tancredo Neves, Presidente feito nas ruas, aos milhões, não disputou em plenas condições de saúde a eleição. O que ninguém contava é com a hospitalização na véspera da posse. Tancredo morreu a 21 de abril. A chapa já estava diplomada. A Justiça Eleitoral atestou a efetiva eleição. A posse apenas formaliza a assunção da titularidade e do exercício das funções inerentes ao cargo eletivo que se disputou. Mas não elide a condição de eleito.

O problema é que estamos no Brasil, terra que não é para amadores, nem para principiantes, citando Tom Jobim. Logo, previsível alguma pedra no meio do caminho. E ela foi colocada. A pedra se resumiu na celeuma de dar posse ou não a Sarney. Uma discussão inócua mesmo sem lei formal autorizadora. Finda a novelinha de mau gosto, Sarney se tornou o primeiro Presidente civil da redemocratização. Em síntese, ao se recusar a ser operado na véspera de tomar posse, Tancredo Neves realizou o maior dos sacrifícios e Sarney, ainda hoje vivo e lúcido, não ficou atrás, ao garantir a transferência de poder sem derramamento de sangue, através da negociação política.

Quando, no atual ano de 2025, nos defrontamos com discursos que fazem apologia ao golpe ou iniciativas que o pretendem ou até o romantizam ou que buscam o esquecimento do novo golpe tentado, desponta como vilão para alguns não a ameaça comunista, mas uma suposta ditadura togada, materializada no STF. Bobagem.

Castello Branco, primeiro General-Presidente, visitou alguns dias após assumir o governo a sede do Supremo. Lá, pediu que o Tribunal seguisse as orientações da "revolução". Não foi obedecido. Judiciário subserviente não é Judiciário. Hoje, a sociedade torna a gestos desafiadores e até desdenhosos do aludido Judiciário, com direito, inclusive, a apelos por invasão estrangeira. Há sempre algo de errado na foto quando se cogita que algo tão precioso como a democracia possa ser testado para saber até que ponto suporta antes de implodir.

Afirmou Herman Baeta, ex-Presidente Nacional da OAB (1985/1987): "Temos de enfrentar os problemas nacionais pela via democrática". Vinte anos depois da enunciação de profética frase, se, pelo andar da carruagem, voltamos a um estado de dilema, cabe nos perguntarmos a nós mesmos: será que nada aprendemos? Que a resposta não piore a situação. Ditadura nunca mais.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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