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José Paulo Cavalcanti: o amigo Xanha

Lisboa. Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. Veja o artigo de José Paulo Cavalcanti Filho

Por José Paulo Cavalcanti Filho Publicado em 28/03/2025 às 0:00 | Atualizado em 28/03/2025 às 8:54

Lisboa. Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. O enorme poeta Marcelo Mário Melo recomenda (em Manifesto da esquerda vicejante) que "devemos lembrar nossos mortos, não pelas chagas de seus martírios, mas por seus jeitos de rir". Assim seja.

E conto agora uma história que fala nesse que partiu. Tem sua graça e vai estar no meu próximo livro (Conversas de ½ Minuto). Vamos a ela.

Negociação

Na Ditadura 18 estudantes, que a combatiam, estavam presos e em greve de fome. Já 11 dias haviam se passado. Por cautela foram trazidos para o quartel da PM, no Derby, onde havia um hospital militar.

Médicos informaram que, até 12 dias, não haveria problemas para a saúde. Entre 12 e 18, provavelmente. A partir daí, com certeza. Era preciso encerrar a greve, na proteção dos próprios presos.

Fomos negociar com eles. Airton Soares, velho amigo e líder do PT na Câmara dos Deputados (pouco depois, ele e Beth Mendes seriam expulsos do partido por terem votado em Tancredo), que veio de São Paulo só para isso.

E eu, companheiro de tantos na universidade (e amigo próximo de alguns), representando a OAB.

Nosso argumento era que o protesto já tinha produzido seus resultados políticos, tanto que os jornais vinham dando a notícia com destaque.

Seguir, ante os riscos para a saúde, não fazia sentido. Às dez da noite, alvíssaras, tudo certo. Fomos falar com o comandante da PM, ainda em seu gabinete e rezando para que tivéssemos sucesso. Ocorre que, encerrada essa greve, todos queriam jantar.

 

Vontade de comer

- Comandante, por favor providencie.

- Claro.

Pediu para chamar o cozinheiro e um ajudante

- Doutor, o homem já foi pra casa.

- Veja o que tem na despensa.

- Está fechada, com cadeado, e quem tem a chave é ele. Só amanhã de manhã.

- Onde mora?

- Ninguém sabe.

Sugeri

- Comandante, por favor, vamos comprar ao menos um cacho de bananas.

- Nem pensar. Comida de fora? E se tiverem uma intoxicação?

- O senhor manda um ajudante conosco, providenciamos o dinheiro, ele mesmo escolhe e compra as bananas.

Nesse momento, um médico do quartel o chamou para conversar. E o comandante

- Perdão, senhores. Mas, antes de se alimentar, eles vão ter que fazer exames médicos e ser avaliados. Até para decidir o que podem ingerir.

- É desumano, comandante.

- Também acho. Mas, infelizmente, vai ter que ser.

E assim ocorreu. Voltaram a se alimentar só no outro dia, pela manhã. Chico de Assis (grande poeta) me confessou, mais tarde:

- Passar 11 dias, dentro de uma greve de fome, não teve nenhum problema. Só que do fim da noite e até a manhã seguinte, querendo comer, foi um verdadeiro suplício.

E Alberto Vinícius (Xanha), que estava do seu lado, confirmou

- A vontade que tive foi me suicidar.

No fim, como ensina o pai de Fernando Sabino, "tudo acabou bem". E seguiu a vida, até agora, quando foi encontrar os seus. Saudades do amigo Xanha.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

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