Eleições na Argentina são teste de fogo para o governo de Javier Milei
O futuro das reformas ultraliberais depende da capacidade do presidente de reverter a desaprovação recorde e garantir governabilidade no Congresso
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A Argentina realiza neste domingo (26) eleições legislativas cruciais que se configuram como um referendo sobre as profundas políticas de austeridade do presidente ultraliberal Javier Milei. O resultado destas eleições de meio de mandato definirá o rumo da governabilidade e a capacidade do Executivo de avançar com sua agenda de reformas econômicas.
Estarão em disputa metade das 254 cadeiras da Câmara dos Deputados (127 assentos) e um terço do Senado (24 cadeiras). Para o partido de Milei, A Liberdade Avança, que atualmente possui apenas 37 deputados e seis senadores, esta é uma oportunidade vital para ampliar sua base e mitigar a fragilidade legislativa que tem restringido a aprovação de reformas ambiciosas.
O Cenário de Desgaste Político
As eleições ocorrem em meio a um cenário político e econômico turbulento e de queda consistente na imagem de Milei desde o início de 2025. Pesquisa recente da AtlasIntel, divulgada na véspera do pleito, aponta que 55,7% dos argentinos desaprovam a gestão do presidente, enquanto apenas 39,9% a aprovam. Esta diferença de quase 15 pontos percentuais representa a maior já registrada pela série histórica do instituto.
O descontentamento é reflexo direto dos efeitos das políticas de austeridade, apesar de as medidas de “terapia de choque” terem reduzido a inflação e gerado um superávit fiscal, animando investidores. No entanto, os argentinos parecem “cansados do custo do ajuste fiscal”. A frustração econômica é generalizada: 68% dos entrevistados afirmam que o país vai mal sob a gestão Milei, e 70% dizem que o mercado de trabalho piorou.
Somado às preocupações com o desemprego (33,2%) e a inflação (30,8%), a corrupção é apontada como o principal problema (50,8%). Denúncias e escândalos envolvendo integrantes do círculo mais próximo do presidente, incluindo sua irmã e principal assessora, Karina Milei, abalaram a confiança do eleitorado, minando o discurso anticorrupção que foi central na campanha. O índice de aprovação de Milei caiu para menos de 40%, o nível mais baixo ao longo de seu governo.
Consequências de um Bom Resultado
Um resultado expressivo para A Liberdade Avança é definido por analistas políticos como a conquista de mais de 35% dos votos, sendo que aproximar-se dos 40% seria classificado como “uma eleição muito boa”. Tais marcos seriam um sinal positivo de apoio crescente, superando os 30% obtidos por Milei no primeiro turno presidencial de 2023.
Em caso de sucesso eleitoral, as consequências seriam as seguintes:
- Avanço Reformista: Aumentaria substancialmente a presença do partido de Milei em ambas as Casas Legislativas. Isso permitiria ao presidente continuar suas reformas econômicas, como as anunciadas reformas trabalhistas e novos cortes de impostos nacionais.
- Segurança de Veto: Investidores e o próprio governo estarão atentos para saber se Milei conseguirá votos suficientes para impedir que a oposição derrube seus vetos presidenciais. O partido de Milei precisará de cerca de um terço dos votos em ambas as casas para bloquear futuras derrubadas de vetos. Uma vitória expressiva fortalecerá sua posição para tal.
- Alianças e Governabilidade: Um bom desempenho incentivaria o apoio de possíveis aliados, como o partido centrista PRO, liderado pelo ex-presidente Mauricio Macri. A consolidação dessas alianças é fundamental para alcançar o terço dos votos necessário no Congresso.
- Apoio Internacional: O apoio adicional dos Estados Unidos, incluindo a promessa de ajuda de US$ 20 bilhões em swap cambial e linhas de crédito, depende do sucesso do partido de Milei nas eleições de meio de mandato, conforme sinalizado pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Consequências de um Mau Resultado
Embora o partido deva aumentar seu número de cadeiras, um resultado aquém das expectativas (abaixo da meta de 35% ou próximo à atual base) teria implicações negativas, principalmente no Congresso e no mercado financeiro:
- Paralisação da Agenda: Sem um aumento substancial de cadeiras ou o apoio firme de aliados, a oposição – liderada pelo movimento peronista, que detém a maior minoria – continuará a ter poder de fogo para derrubar vetos presidenciais. Nos últimos dois meses, o Congresso já derrubou vetos de Milei que envolviam aumento de financiamento para universidades públicas, assistência médica pediátrica e pessoas com deficiência.
- Risco para 2027: O desempenho eleitoral é visto como um indicador de longo prazo. O diretor para as Américas da consultoria Horizon Engage, Marcelo Garcia, alertou que “Se 2025 indicar que Milei está em declínio, os investidores começarão a se preparar para uma opção mais de centro ou centro-esquerda para 2027”.
- Instabilidade de Alianças: O apoio de aliados, como o PRO, depende do desempenho do partido de Milei na eleição. Um mau resultado enfraqueceria o presidente e tornaria seus aliados menos dispostos a arcar com os custos políticos de apoiar medidas de austeridade em um contexto de desaprovação popular.
Em suma, as eleições de 26 de outubro representam a hora da verdade para Javier Milei: o voto dos argentinos definirá se o presidente terá as ferramentas legislativas mínimas para dar continuidade à sua "reconstrução da Argentina" ou se enfrentará um Congresso cada vez mais hostil e capaz de minar sua agenda econômica.
(Com agências)