Reino Unido e França selam pacto nuclear inédito para blindar defesa europeia
Diante de Rússia beligerante e da incerteza sobre os EUA, aliados prometem coordenação de arsenais atômicos e buscam fortalecer segurança continental

Clique aqui e escute a matéria
Em um marco histórico para a segurança europeia, França e Reino Unido, as duas potências nucleares do continente, anunciaram nesta quinta-feira um inédito pacto de defesa. O acordo, selado entre o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e o presidente francês, Emmanuel Macron, na base militar de Northwood, simboliza um passo crucial para enfrentar a crescente deterioração da segurança na Europa, marcada pelas renovadas ameaças da Rússia e pela vacilante proteção americana.
Conhecido como Declaração de Northwood, o documento estabelece pela primeira vez que, embora independentes, os arsenais de dissuasão nuclear de ambos os países podem ser coordenados em caso de grave perigo para os aliados.
"Qualquer ataque de um adversário resultará em uma resposta de nossas duas nações", declarou Starmer. Essa articulação operacional e a extensão da "dimensão europeia conjunta" representam avanços significativos, conforme explicou Héloïse Fayet, pesquisadora de questões nucleares do Instituto Francês de Relações Internacionais.
Multilateralismo e a ambígua proteção atômica
O pacto deliberadamente mantém a ambiguidade estratégica sobre o alcance de um "guarda-chuva nuclear" franco-britânico sobre a Europa. Os dois países sinalizam que nenhuma ameaça extrema ao continente ficará sem resposta conjunta, seja ela convencional, cibernética ou nuclear.
Tradicionalmente, a segurança nuclear da Europa tem se apoiado majoritariamente nos Estados Unidos, país-chave da OTAN. Contudo, a retórica do ex-presidente Donald Trump, que consistentemente tem instado a Europa a desenvolver suas próprias capacidades defensivas, adiciona uma camada de urgência a este novo alinhamento. Reino Unido e França são as únicas potências nucleares europeias e, ao lado dos EUA, as únicas com este tipo de arsenal dentro da OTAN.
O acordo também se insere no contexto da guerra na Ucrânia. Com o governo Trump demonstrando retração no apoio militar a Kiev, Starmer e Macron têm se esforçado para impulsionar a "coalizão dos dispostos", um grupo criado para resistir à Rússia e apoiar a Ucrânia, mesmo com a hesitação de alguns membros em fornecer recursos militares cruciais, como aviões.
Em discurso no Parlamento britânico, Macron enfatizou a necessidade de cooperação para defender um multilateralismo eficaz e proteger a ordem internacional.
Acordo de imigração e a superação das tensões pós-Brexit
Além da defesa, a cúpula entre Starmer e Macron resultou em um novo acordo de migração. A iniciativa visa combater o crescente número de pessoas que tentam atravessar o Canal da Mancha em pequenos barcos, vindos das praias do norte da França. Este tema, juntamente com a segurança, é central para a melhoria das relações diplomáticas entre os vizinhos, que foram abaladas pela decisão do Brexit em 2016.
O acordo migratório baseia-se no princípio do "um por um": a França aceitará o retorno de migrantes sem documentação que cruzaram o canal a partir de suas costas, enquanto Londres acolherá solicitantes de asilo na França que possuam laços, especialmente familiares, com o Reino Unido.
Embora Starmer não tenha detalhado o número de retornos, a imprensa britânica especula um volume inicial de cerca de 50 pessoas por semana. Este ano, mais de 21 mil migrantes já cruzaram o Canal da Mancha, um recorde.
A questão da migração não autorizada se tornou mais complexa para o Reino Unido após o Brexit, que o excluiu de acordos europeus que facilitavam a transferência de requerentes de asilo e do acesso a bancos de dados biométricos essenciais para identificação.
Muitos países europeus, desde então, têm resistido a acordos de retorno bilaterais, defendendo que tais negociações devem ocorrer com o bloco da União Europeia como um todo.