Mergulho na Intimidade do Ser
Todo processo de libertação exige muita coragem e esforço para avançar, sem se enclausurar nem aderir a movimentos revolucionários

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MARIA INÊS MACHADO
O homem, empreendedor por natureza, está sempre em constantes buscas. Nesse percurso, mune-se de equipamentos sofisticados e adentra nos segredos do oceano, mergulha em águas nem sempre tranquilas, pesquisa novas espécies de vida, substâncias marinhas com propriedades terapêuticas, entre outros elementos.
Ao entrar nesse famoso desconhecido, o mar, tem consciência das possíveis espécies que poderá encontrar: tubarões, polvos em diversos tamanhos, baleias, cobras, enfim, animais que oferecem perigo à vida. Mas aceita o mergulho porque sabe que ali encontrará espécies variadas de peixes, crustáceos, vegetações exóticas e diferentes formas de vida — elementos da natureza que encantam a visão, proporcionam bem-estar e oferecem benefícios que se estendem à humanidade.
Lembrando essa grande aventura, que é o mergulho nas profundezas do oceano, a reflexão conduz ao processo do autodescobrimento, convite constante para mergulhar no mar das próprias existências. Nessa viagem, penetra-se no inconsciente, em busca da razão dos conflitos e da origem das enfermidades. Nesse movimento é possível elencar virtudes e defeitos, estabelecendo um diálogo íntimo que revela a possibilidade de libertação das mazelas que entravam o progresso espiritual.
Apesar disso, o temor permanece. O desejo de uma conexão definitiva com o Criador contrasta com a consciência adormecida. Jesus mostra o caminho, mas os passos ficam curtos, detidos pela visão embotada do orgulho. As medidas se tornam paliativas, sustentadas pelas desculpas. Ora afirma a imperfeição, ora a falta de forças. A diversidade dessas justificativas não alcança a harmonia íntima tão almejada.
O receio de mergulhar no oceano da vida nasce do confronto com os elementos guardados na intimidade do ser, quase sempre não extirpados da existência. Eles se manifestam na ausência da vontade aliada com o orgulho, amigo íntimo do egoísmo. E assim a caminhada segue, repetitiva, adiando o processo de renovação.
Vale questionar a razão de tanto medo. O ser humano não é um amontoado de algas improdutivas. É verdade que, no mar da vida, muitas delas eclodem e permanecem nas areias da existência, exigindo remoção urgente. Todavia, esse mergulho é possível. Mesmo que, à primeira vista, se revele apenas o lado sombrio, há também outros elementos que encantam, revelando belezas que deslumbram e despertam o desejo de trazê-las à superfície. Assim acontece com as fotografias que registram a vida marinha ou com a coleta de substâncias que se tornam valiosas para a farmacologia.
Todo processo de libertação exige coragem e esforço. É necessário ser suficientemente corajoso para avançar, sem se enclausurar nem aderir a movimentos revolucionários. As oportunidades são inúmeras, mas nem sempre aproveitadas.
Entre elas, encontram-se exemplos comuns. A busca pela voz dos espíritos amigos, que só é aceita quando não convida à reflexão. Imagina-se que as mensagens devam trazer apenas consolação e fraternidade. Mas o que significam, de fato, essas virtudes? Muitas vezes, não corresponderem aos desejos pessoais, erguem-se paredões que impedem o progresso. Consolação e fraternidade não se confundem com complacência diante dos defeitos. Os espíritos que desejam ajudar não compactuam com a inércia, é preciso ampliar a compreensão das palavras que chegam do Alto.
Outra fuga se revela quando alguém afirma não querer mais ouvir determinado palestrante porque repete sempre as mesmas coisas. Jesus ensinou a ouvir os que têm ouvidos de ouvir e a ver os que têm olhos de ver. Nesse momento, talvez seja a recusa de enfrentar o mergulho interior, negando o autodescobrimento.
Também acontece durante a leitura de um livro que convida à mudança de comportamento. É mais fácil pensar que outro deveria lê-lo do que identificar os próprios equívocos sedimentados no íntimo. Trata-se de um processo de fuga, em que se contabilizam os erros alheios para não enfrentar os próprios.
Ainda mais evidente é quando chegam convites para trabalhar em determinada atividade e são recusados sob a justificativa da incapacidade. É o orgulho falando mais alto, mesmo que se revista da aparente humildade ao afirmar a ausência de condições. Desse modo, adiam-se as oportunidades que Jesus oferece.
Não se deve embotar a capacidade de evolução. Para acelerá-la, é preciso disponibilidade. Do contrário, entre idas e vindas, a caminhada se restringe à grama rasteira, presa ao chão, negando a possibilidade de encontros maiores sobretudo o principal: o encontro consigo mesmo. É o encontro da estrada de Damasco, quando Paulo, o apóstolo, diante da luminosidade de Jesus, reconhece: “Senhor, o que queres que eu faça?”
E cada um pode perguntar: o que tem feito da própria vida? As palavras de Jesus ressoam: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança!” (Mt 23:25).
O Mestre não condena. Seu convite é mudança de comportamento, desprendimento das coisas terrenas e ligação com as coisas de Deus. Dessa forma, é possível vencer o orgulho, a vaidade que há milênios prende às sombras e aceitar a dor do desprendimento da maldade em seus diversos matizes, para que floresçam no interior o bem.
Maria Inês Machado é trabalhadora da Fraternidade Espírita Francisco Peixoto Lins – PEIXOTINHO