Se Avexe Não
O tempo da vida não é cronológico, não se mede no relógio, mas nas fases que a gente vive porque são processos internos, mudanças que acontecem

GUSTAVO MACHADO
Junho é um mês especial para os nordestinos, marcado por intensas manifestações culturais, populares e gastronômicas — com comidas saborosas que nos despertam profundas memórias afetivas. Das colheitas de milho ao preparo dos quitutes, das camisas xadrez aos vestidos coloridos, das músicas — forró, xote, baião e xaxado — às decorações e quadrilhas, tudo nos remete ao São João e nos conduz ao (re)encontro com nossas raízes.
E somado a esse movimento de pertencimento — ou para além dele — o São João nos oferece também um momento de reflexão: no dia 24 de junho, celebra-se o nascimento de João Batista, considerado o precursor de Jesus Cristo, aquele que anunciou a Sua vinda. A fogueira, outro elemento tradicional da festa, guarda um significado profundamente simbólico: Isabel, mãe de João Batista, teria acendido uma fogueira no alto do monte para avisar sua prima Maria (mãe de Jesus) sobre o nascimento do filho. Assim, a fogueira torna-se uma alegoria — uma luz que prepara o caminho para o Cristo.
Nessa mesma perspectiva de fé e esperança, uma música nos atravessa com doçura e força: “Natureza das Coisas”, do compositor paraibano Flávio José. Seus versos nos convidam a olhar para o Alto e a nos reconectar com as lições do Evangelho. “Se avexe não / Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada.” Essa canção não é apenas um forró. É uma oração em forma de poesia. Um lembrete de que a vida não se resolve na pressa, mas no compasso silencioso do que há de chegar.
Recordando a lição de Jesus em João 14:1 — “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim” —, a canção fala direto ao coração atribulado dos nossos dias. Enquanto o mundo cobra urgência, performance e resultado, a fé convida à confiança no “invisível”, à esperança no que ainda não se vê.
Como diz a letra: “Que a lagarta que rasteja até o dia em que cria asas / Se avexe não / Que a burrinha da felicidade nunca se atrasa / Se avexe não / Amanhã ela para na porta da sua casa / Se avexe não / Toda caminhada começa no primeiro passo / A natureza não tem pressa, segue seu compasso / Inexoravelmente chega lá / Se avexe não ...”.
O tempo da vida não é cronológico. Não se mede no relógio, mas nas fases que a gente vive. São processos internos, mudanças que acontecem aos poucos. Às vezes, até parece que nada está acontecendo e nos causa certa angústia, mas é justamente nesse tempo de espera que a gente cresce por dentro. É o tempo necessário para o verdadeiro amadurecimento.
Jesus não prometeu ausência de aflições. Mas ensinou que elas não precisam turbar o nosso coração. E o que Ele oferece é fé — uma fé que, na poesia de Flávio José, se traduz em um “se avexe não” dito com serenidade e esperança.
Talvez a grande revolução espiritual dos nossos tempos seja justamente essa: desacelerar e confiar. E manter acesa a fogueira interior que, mesmo em silêncio, anuncia a chegada da luz. Porque no tempo certo — e só no tempo certo — a burrinha da felicidade para na nossa porta. E então, enfim, o coração entende: era preciso esperar.
Lembremo-nos sempre de Jesus: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim.”
Gustavo Machado – trabalhador da Fraternidade Espírita Franscisco Peixoto Lins (Peixotinho).