Religião | Notícia

Deus permite o sofrimento?

No sofrimento há uma pedagogia que não podemos desconsiderar, pois o sofrimento é didático e proporciona amadurecimento na caminhada cristã

Por JC Publicado em 06/07/2025 às 0:00

REVERENDO EDUARDO PEREIRA

A questão do sofrimento humano é tema recorrente que atravessou a história sem perder a vitalidade, dada sua natureza polêmica e instigante. É um dos objetos do conhecimento da Filosofia e perpassa toda a epistemologia teológica. Se existe um Deus Criador que se apresenta como Bondade e Misericórdia, por que Ele permite ou mesmo impõe o sofrimento? Vivemos um tempo de tragédias humanitárias e de relativização dos sentimentos e da virtude.


Foi o que Nélson Rodrigues quem disse: “o homem não é triste porque morre, o homem é triste porque sofre”. Morrer é uma passagem, sofrer é um processo. Nestes tempos de pós-modernidade e de revolução nas relações interpessoais, em que a comunicação se dá por redes sociais, a maioria das pessoas procura momentos de amenidades, assuntos leves, justamente para esquecer de suas dores, tribulações e angústias do cotidiano. Ninguém quer sofrer. Mas, queiram ou não, todos nós estamos sujeitos, indistintamente, ao processo de sofrimento. Quem não tem fé, reputa o sofrimento ao acaso.


Quem crê em Deus questiona muitas vezes a razão de passar por processos de sofrimento, principalmente o que se convencionou chamar de sofrimento dos justos, aquelas pessoas consideradas de alma elevada. É de nossa lógica primitiva achar que a pessoa maldosa sofre porque está colhendo o que plantou – lei da semeadura e da colheita –, mas a pessoa boa, chamada biblicamente de justa, por essa premissa não deveria sofrer. Há exemplos bíblicos diversos, como é o caso de Jó que perdeu tudo e ficou gravemente enfermo; Daniel, que sendo correto em atitudes, foi lançado numa cova cheia de leões, difamado pela inveja e cupidez de seus adversários. O caso de José, outro homem de bom coração que se viu acusado de assédio sexual e ficou preso injustamente por longos anos. Dentre tantos outros exemplos bíblicos, podemos colocar nessa galeria  o próprio Jesus, que sendo um benfeitor incansável, o Salvador do mundo foi contado com os ladrões.


Trabalhei na Polícia Militar por mais de trinta e quatro anos e vi alguns casos de pessoas boas e tementes a Deus que passaram por sofrimentos inomináveis. Lembro do caso da capitã dentista Christiane Estima, evangélica, altruísta, adorável, generosa. Fora do expediente na corporação atendia pessoas carentes de graça em seu consultório particular. Foi assassinada em seu próprio apartamento na cidade de Palmares por menores que entraram sorrateiramente para furtar, mas tendo ela acordado, foi golpeada com um bisturi pelos infratores. Todos ficaram perplexos e questionando: como uma pessoa elevada assim perde a vida dessa forma? Por que Deus permite que isso aconteça? Diante de fatos assim surge a questão: onde Deus estava que não impediu essa tragédia na vida de uma pessoa tão fiel a Ele?


As respostas são quase sempre cheias de obviedades e não chegam a convencer cabalmente os mais álgidos interlocutores. No sofrimento há uma pedagogia que não podemos desconsiderar. O sofrimento é didático e proporciona amadurecimento na caminhada cristã. E o que Deus tem a ver com isso? Deus não deseja o sofrimento de seus filhos, mas o mundo em que vivemos é movido pelas decisões humanas e estas causam sofrimento. Como leciona Thomas Hobbes “o homem é o lobo do próprio homem”. Se todos fossem tementes a Deus (e não apenas de aparência) não haveria o sofrimento como existe no mundo, com tanta crueldade e falta de empatia.


A caminhada cristã tem uma lógica incomum. No caso mencionado da morte da dentista o sofrimento ensejou uma restauração na vida de seus irmãos que estavam afastados dos caminhos do Senhor e voltaram a servi-Lo. O sofrimento é uma escola e o verdadeiro cristão sabe suportá-lo, alcançando favor diante de Deus e constatando que Ele tinha um propósito. Jó foi testado e aprovado como servo amado, mas mediante tribulações, mesmo sendo fiel. Deus não está alheio aos nossos problemas e provações. Ele nos resgata da condição adversa para um novo dia. O sofrimento é uma noite, mas a alegria sempre desponta pela manhã. É Deus quem faz isso, e é coisa maravilhosa aos nossos olhos. Em meio às provas, devemos crer que o Criador pode até permitir a tribulação, mas Ele tem o controle, e nos sustenta com sua destra fiel. Há um propósito em tudo na vida, devemos crer e perseverar, atitudes de quem confia em Deus e na vitória final que perpassa esse mundo passageiro.

Eduardo Pereira é teólogo, bacharel em Direito pela UFPE, pastor, membro da Academia Pernambucana Evangélica de Letras e coronel veterano da Polícia Militar de Pernambuco

Compartilhe

Tags