Ministério da Fazenda propõe fim antecipado de incentivos à energia solar
Em defesa da segurança jurídica, a Fazenda argumenta que o encurtamento do prazo de subsídio não compromete os investimentos realizados
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O Ministério da Fazenda protocolou uma proposta ambiciosa no Congresso Nacional com o objetivo de reestruturar os custos no setor elétrico brasileiro, defendendo o que chama de "justiça tarifária". A medida mais sensível da equipe econômica é a antecipação do fim dos benefícios fiscais concedidos para a micro e minigeração distribuída de energia, sistema que engloba as placas fotovoltaicas instaladas em telhados de residências e as chamadas fazendas solares.
A proposta foi formalizada por meio de uma emenda à Medida Provisória (MP) de reforma do setor elétrico, que atualmente tramita sob a relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Segundo a Fazenda, a manutenção dos atuais subsídios está distorcendo o funcionamento do mercado e criando um "caminho sem saída".
Para o secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, Marcos Pinto, os incentivos representam um custo de R$ 14,3 bilhões neste ano, que acaba sendo repassado aos demais consumidores na conta de luz. "Temos hoje no Brasil uma série de subsídios no setor elétrico que deixaram de fazer sentido. Assim como acontece na tributação da renda, aqui a gente tem o morador da cobertura deixando de pagar o condomínio e os outros moradores tendo que pagar mais por isso", argumenta o secretário, destacando o custo "invisível" para a população.
Mudança no prazo de benefícios
Atualmente, consumidores que conectaram seus sistemas de geração distribuída até o início de 2023 possuem compensação integral da energia injetada no sistema e isenção do pagamento pelo uso da rede de distribuição, um benefício com validade até 2045. A Fazenda propõe que, já a partir de 2026, todos esses consumidores passem a pagar gradualmente os custos de uso da rede, em um período de transição que deve ser concluído em 2029, quando o pagamento seria integral. Uma alternativa em discussão é manter os benefícios apenas até 2030.
Em defesa da segurança jurídica, a Fazenda argumenta que o encurtamento do prazo de subsídio não compromete os investimentos já realizados, uma vez que o período de amortização dos projetos de geração distribuída é inferior a quatro anos, e a taxa interna de retorno dos investimentos atingiu 48% ao ano em 2024.
Reforma no setor
Além do foco na geração distribuída, a Fazenda propõe um leque de reformas estruturais para o setor. Uma delas visa incluir a geração distribuída no rateio dos cortes de produção (curtailment) que hoje afetam apenas usinas centralizadas com contratos de longo prazo, como eólicas e solares. Posteriormente, a ideia é que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) possa ter controle físico da injeção de carga desses sistemas no setor.
A equipe econômica sugere ainda o estabelecimento de um teto para o subsídio concedido para o uso de linhas de transmissão e distribuição por fontes incentivadas, que alcançará quase R$ 17 bilhões em 2025. O limite seria de R$ 35/MWh a R$ 40/MWh, ou uma redução progressiva até a extinção em dez anos.
No âmbito da governança, a pasta propõe regras inspiradas na Lei de Responsabilidade Fiscal para o setor elétrico, estabelecendo um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e exigindo a demonstração do impacto econômico de novos encargos ou benefícios tarifários. Outras emendas incluem a mudança do sistema de preço para um modelo baseado em oferta, a abertura do mercado de energia para que o consumidor possa escolher o fornecedor e o fomento a sistemas de armazenamento de energia, como usinas hidrelétricas reversíveis.
O secretário Marcos Pinto demonstrou otimismo quanto à aprovação das medidas, citando um "excelente diálogo" estabelecido com o relator Eduardo Braga, a quem atribui capacidade de liderança para conduzir a reforma estruturante.
CRÍTICA AO GOVERNO
A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) considerou "grave e injustificada" a proposta do Ministério da Fazenda de antecipar o fim do tratamento tarifário. "O posicionamento do órgão parte de uma premissa equivocada e tecnicamente incorreta, que ignora a natureza jurídica, econômica e social da geração distribuída no Brasil. É fundamental destacar que a Lei Federal nº 14.300/2022, aprovada pelo Congresso com 476 votos favoráveis e apenas 3 contrários, estabeleceu o marco legal da GD e, portanto, a segurança jurídica para os consumidores que investiram do próprio bolso na instalação de painéis solares. E ao contrário do que tenta sugerir o Ministério da Fazenda, não existe subsídio na GD, porque não há qualquer custo ao Tesouro Nacional".
Em nota, a associação disse ser "lamentável que o órgão, ao invés de reconhecer o papel transformador da GD, adote uma postura subserviente aos interesses de grandes grupos econômicos, atuando como escriba de grupos minoritários e não como guardião do interesse da população consumidora de energia". "A retórica da chamada “justiça tarifária” tem sido usada como cortina de fumaça para justificar retrocessos e recentralizar o setor elétrico, em benefício de poucos e em detrimento da sociedade. A ABGD reitera que qualquer reforma do setor elétrico deve ser pautada pelo diálogo, pela previsibilidade e pela justiça, não pela submissão a interesses concentrados ou pelo impulso arrecadatório. A associação reafirma seu compromisso com o consumidor, com o investimento privado e com o futuro sustentável do Brasil".