Consumo de etanol pode crescer até 9,2 vezes com novos usos, aposta Plínio Nastari
Biobunker, combustíveis sustentáveis de aviação, bioplásticos e hidrogênio são caminhos para expansão do etanol, sem falar na frota flex nacional

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Plínio Nastari, um dos maiores pensadores do setor sucroenergético do País, recorreu a expressão em latim "Quo Vadis" (Para onde vais?) para discutir os rumos da atividade no Brasil. Presidente e CEO da Datagro Consultoria, ele comandou concorrido painel durante o XIV Fórum Nordeste, realizado pelo Grupo EQM, com mentoria do Sindicato das Indústrias do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE). Sediado no Mirante do Paço, no Bairro do Recife, o evento nesta segunda-feira (1º) foi prestigiado por ministros de Estado, pela governadora Raquel, pelo prefeito João Campos, além de políticos e empresários.
Também participaram da conversa com Nastari, o presidente da Biosul (Associação de Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul), Amaury Pekelman; a pesquisadora da UFRN e coordenadora da RBQAV, além de especialista em combustíveis sustentáveis e monitoramento ambiental,Amanda Gondim; o diretor da Japungu Agroindustrial, José Bolivar Melo Neto e o diretor de assuntos regulatórios e governamentais da Toyota no Brasil, Rafael Ceconello.
Plínio Nastari aposta que o etanol tem potencial de multiplicar em até 9,2 vezes seu consumo global, caso consiga acessar novos mercados estratégicos. Ele acredita que a expansão depende de quatro frentes principais: combustíveis sustentáveis para aviação (SAF), biobunker — que substitui o bunker fóssil utilizado no transporte marítimo —, bioplásticos e a reforma do etanol para produção de hidrogênio. “Eu acredito que a etapa que está mais pronta para se desenvolver é a substituição do bunker fóssil marítimo por etanol. Em segundo lugar, o uso em bioplásticos e, por último, a reforma para extração de hidrogênio”, afirma.
Oportunidade à vista
Hoje, a produção mundial de etanol é de 89 milhões de toneladas. Apenas no setor marítimo, o potencial de substituição chega a 225 milhões de toneladas. “Se a gente acessar 10% desse mercado, eu já estou falando em 22,5 milhões de toneladas, o que representa 25% de aumento sobre o mercado que existe hoje. É muito importante”, destaca.
No caso da aviação, o potencial é ainda maior. “O SAF é muito grande, tem um potencial de 360 milhões de toneladas de etanol em valor. Só que, no caso do SAF, você precisa de investimentos bilionários para construir as plantas. Então, é um mercado que depende de investimento nessas estruturas industriais”, observa Nastari, lembrando que a descarbonização do setor aéreo torna inevitável esse movimento, ainda que mais lento.
Expansão acelerada no Brasil
A oferta brasileira vem crescendo com força graças à interiorização da produção de etanol de milho. A Datagro acompanha 25 plantas já em operação, com capacidade de até 14 bilhões de litros/ano, além de 18 em construção e 19 em fase de planejamento. “A soma total projetada chega a 24,7 bilhões de litros de etanol de milho. Até dezembro de 2026, a capacidade atual deve ser acrescida em mais 5 bilhões de litros”, detalha. Essas plantas concentram-se em Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, mas projetos mais recentes ampliam o mapa para Maranhão, Alagoas e Paraná.
Impactos no Nordeste
O especialista aponta que Norte e Nordeste são regiões tradicionalmente deficitárias em etanol, mas a situação deve mudar com a expansão do milho. Para a safra 2025/26, a produção estimada é de 420 milhões de litros de etanol de milho na região, contra consumo de 6,3 bilhões, reduzindo o déficit para 3,5 bilhões. “A estimativa da Datagro é de que, até 2030, 85% do déficit da região Norte/Nordeste seja eliminado”, afirma.
Existe o potencial, mas essa mudança exige maior capital de giro e altera a lógica de mercado. “Haverá maior competição no mercado interno, maior carência de estoques e, consequentemente, maior necessidade de capital de giro — o que pesa ainda mais em um cenário de juros elevados”, alerta.
Concorrência internacional
Ao falar do mercado externo, Nastari lembra que os EUA continuam sendo o maior competidor do Brasil. O país produziu 61 bilhões de litros de etanol em 2024 e deve alcançar 63 bilhões em 2025. Embora exporte 8,3 bilhões de litros por ano, parte do excedente pode ser absorvida domesticamente caso seja aprovada a ampliação da mistura de gasolina para E15 (15%).
Paralelamente, cresce a pressão da eletrificação da frota global. “No primeiro semestre de 2025, foram vendidos 1,74 milhão de veículos eletrificados, 21,6% do total. A expansão dos eletrificados ajuda a conter o crescimento do consumo de derivados de petróleo”, explica Nastari. No Brasil, a participação ainda é menor, mas está em expansão. No primeiro semestre alcançou 10,2% das vendas, com predominância de híbridos.
Produção e consumo interno
O consultor avalia de forma positiva o avanço do etanol de milho. “Eu vejo como benéfico. Acho que é positivo, porque o mundo precisa de mais etanol para atender esses novos mercados. Senão, não teremos escala de produção para atender à demanda”, diz.
Já no setor de transportes, o consumo segue aquém do potencial. “Nós precisamos melhorar o conhecimento da população a respeito dos atributos do etanol, como menores emissões, sustentabilidade na produção. A população não conhece esses atributos, não reconhece, não valoriza. Então, é necessário aumentar esse conhecimento”, defende.
Ele avalia que o preço não é o único fator que explica a baixa adesão. “Tem muita gente que acaba não utilizando o etanol mesmo quando ele é mais competitivo que a gasolina, por temor de que vai danificar o motor, por erros e falhas de compreensão. Isso não tem nada a ver com a realidade. A gente precisa mudar essa falsa informação, esse falso conhecimento, para que as pessoas estejam mais inclinadas a utilizar esse produto, que é muito bom e não é usado por falha de informação”, reforça.
Carros híbridos e a visão da Toyota
Essa percepção foi reforçada por Rafael Secco, executivo da Toyota, que defendeu a importância de quebrar paradigmas em relação ao etanol e à eletrificação. Segundo ele, o etanol é visto com entusiasmo em outros países, mas ainda sofre com desconhecimento dentro do Brasil.
“Quando falamos de bioetanol lá fora, é algo valorizado, quase um sonho distante. Aqui, muitas vezes, o consumidor não acredita que o carro anda melhor com etanol. Existe um paradigma e precisamos superá-lo”, diz.
Para Secco, a chave está em mostrar como a tecnologia híbrida flex pode aliar custo-benefício e descarbonização. “O híbrido flex, lançado no Brasil em 2019, já entrega 40% de ganho em eficiência de consumo e redução de até 70% nas emissões de carbono, sem necessidade de infraestrutura de recarga. É uma solução imediata, que gera valor econômico, ambiental e social”, observa.
O executivo destacau que essa combinação pode ser até mais eficaz do que a eletrificação pura em alguns cenários. “Esse carro descarboniza mais do que um elétrico fabricado na China, porque aqui você abastece com etanol de baixo carbono. É ciência, custo e descarbonização ao mesmo tempo”.
Ele concluiu reforçando o papel estratégico do Brasil. “Nós temos uma tecnologia única, que atrai atenção de países como Japão, Índia, Colômbia e Tailândia. Mas, antes de expandir para fora, precisamos fortalecer o mercado aqui dentro, mostrando ao consumidor que é possível abastecer hoje com etanol e ter um carro mais eficiente e sustentável”.
Oportunidade na frota flex
No Brasil, apenas 27,8% da frota flex utiliza o etanol regularmente. “Essa baixa adesão mostra que há um potencial significativo de crescimento no consumo”, afirma Nastari. Ao concluir, avalia que os rumos do setor dependerão de como o País vai equilibrar sua matriz energética diante da eletrificação, da concorrência internacional e do desafio de tornar o etanol competitivo frente à gasolina.