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Afroempreendedorismo feminino é destaque na 4ª Expo Preta no RioMar Recife

Expo Preta segue até domingo (17), no RioMar, reunindo negócios liderados por empreendedores negros e, este ano, reforçando o protagonismo feminino

Por Adriana Guarda Publicado em 15/08/2025 às 21:07

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No Brasil, mais da metade dos empreendedores negros são mulheres. Elas transformam criatividade em negócios, fortalecem comunidades e constroem narrativas próprias em um mercado que ainda carrega desigualdades estruturais. Segundo dados da PNAD Contínua, já são cerca de 16 milhões de empreendedores negros no país — um crescimento de 31% entre 2012 e 2024. Levantamento do Sebrae aponta que, juntos, eles movimentam quase R$ 2 trilhões por ano. Desse total, 52% são mulheres, que encontram no empreendedorismo não apenas uma fonte de renda, mas também um ato de resistência e afirmação cultural.

É nesse cenário que acontece, até este domingo (17), a 4ª edição da Expo Preta, realizada pelo RioMar Recife e pelo Instituto JCPM de Compromisso Social. O evento é vitrine para negócios liderados por empreendedores negros e, este ano, reforça o protagonismo feminino, que representa 80% dos expositores, com exemplos como a Zarina Moda Afro, Odara Designer e Marly Joias Artesanais.

Zarina: moda, ancestralidade e propósito

Heudes Regis/Divulgação
Criadora da marca Zarina Moda Afro, Jéssica aposta em peças autorais que celebram a estética e a identidade negra - Heudes Regis/Divulgação

À frente da Zarina Moda Afro, Jéssica Zarina começou a empreender de forma intuitiva, costurando roupas para si porque não se reconheci nas peças vendidas pelas lojas de departamento. “As pessoas começaram a pedir, e percebi que poderia transformar isso em um negócio”, relembra. Da produção artesanal ao ateliê estruturado, o caminho foi pavimentado por capacitações, aprendizado em gestão e, sobretudo, pela construção de uma marca com identidade e propósito claros.

Para ela, moda é linguagem. “Não sigo tendências de forma cega. Quero criar algo atemporal, que converse com a ancestralidade e valorize a identidade negra”, afirma. Essa visão se traduz em peças com estampas e modelagens inspiradas na cultura afro-brasileira e na presença constante de referências a Oxum, orixá ao qual é filha.

A estilista reconhece que o empreendedorismo não é fácil, especialmente para pessoas pretas. “Muitas vezes, os espaços de formação e negócios não foram pensados para nós. É preciso criar nossas próprias estratégias de permanência”, diz. Entre as conquistas que celebra estão viagens para a África e participações em eventos e projetos em diferentes estados do Brasil.

No seu ateliê, localizado no centro do Recife, Jéssica une criação, vendas e formação de novos empreendedores. “Antes, eu achava que não era capaz de ensinar, mas criei meus próprios conteúdos e hoje a formação é parte essencial do meu trabalho”, diz.

Para ela, estar na Expo Preta é mais do que vender roupas: “A gente não está apenas vendendo produtos, mas também contando histórias e mostrando a potência do nosso trabalho", afirma.

O impacto vai além da vitrine. “Além da parte comercial, a Expo Preta também cria um ambiente de troca. A gente conhece outros empreendedores, troca contatos, experiências e até fornecedores. É uma rede que vai se fortalecendo a cada edição”, destaca. Ela acredita, ainda, que a importância do evento também está em legitimar a presença negra no mercado: “Muitas vezes, o empreendedor negro é invisibilizado, e a Expo Preta coloca a gente no centro da cena, como protagonistas”, comemora. 

Odara Designer: identidade e história

Heudes Regis/Divulgação
Odara Designer: Roupas e acessórios com design exclusivo e inspiração na ancestralidade africana - Heudes Regis/Divulgação

A designer de moda, Vânia Paraízo, criadora da Odara Designer, começou na moda ainda adolescente, aos 14 anos, quando decidiu aprender a costurar para fazer as próprias roupas. “Eu era uma menina preta e gorda, e as roupas que minha mãe comprava não me representavam”, lembra. O episódio que marcou essa decisão aconteceu na virada de ano, quando a peça que usaria só ficou pronta após a meia-noite por causa de uma queda de energia.

Apesar da paixão pela costura, não via o ofício como profissão no início. Trabalhou no comércio, foi operadora de caixa, até que surgiu a chance de atuar como acabadeira em um ateliê na Avenida Boa Viagem. O contato com peças elaboradas reacendeu o interesse e, em 2011, passou a trabalhar por conta própria.

Determinada a se qualificar, fez cursos de corte e costura pelo Senai, modelagem e alfaiataria. Aos 38 anos, ingressou no curso de Design de Moda na Unibra, pagando as mensalidades com o dinheiro das encomendas. “Meu pai sempre dizia para eu estudar. Como mulher preta sem recursos, sabia que precisava me esforçar muito mais para conquistar espaço”, afirma. Formou-se em 2018 e, logo depois, concluiu pós-graduação em Produção e Styling pelo Senac.

A pandemia trouxe novos desafios e mudanças de rota. Com a concorrência de lojas populares, Vânia passou a dar aulas de corte e costura e, quase sem perceber, entrou no mercado de moda praia ao oferecer oficinas de biquíni. A demanda levou à criação da marca Odara, cuja primeira estampa — inspirada na “cabeça da La Ursa” — fez sucesso no Carnaval.

Desde então, a marca expandiu o portfólio para quimonos, peças tie-dye e modelagens sem gênero. Também passou a integrar a Mape (Moda Autoral de Pernambuco), depois de aprimorar a qualidade dos acabamentos. Mais recentemente, lançou a estampa do Jaraguá, inspirada em uma lenda usada pelos jesuítas para catequizar povos indígenas, e criou versões em homenagem a Pernambuco.

Em 2025, a estilista participa pela primeira vez da Expo Preta. “Estou vivendo um sonho. Mesmo que não vendesse nada, já estaria satisfeita por estar aqui”, afirma.

Marly Joias: longevidade e ousadia

Heudes Regis/Divulgação
Marly Joias Artesanais:Criações que combinam técnicas manuais e referências culturais afrodescendentes - Heudes Regis/Divulgação

Marly Soares, 64 anos, empreende há seis com a Marly Joias Artesanais. Para ela, chegar à maturidade empreendendo é resistir. “Expor no RioMar é estar no lugar certo. Claro que queremos vender, mas vai além disso. Nosso negócio precisa de visibilidade, de apoio, de uma rede de sustentação. Quando somos convidadas para um evento como esse, essa rede se forma. Isso é muito gratificante. Quero inspirar outras mulheres para que olhem pra mim, com minha idade e meus cabelos grisalhos, e digam: ‘Eu também posso estar ali’”, afirma.

A resistência e a longevidade do negócio de Marly, que desafia o tempo e as estatísticas, reforçam um dado relevante desta 4ª Expo Preta RioMar: as mulheres representam 80% dos empreendedores participantes, e mais de 80% dos negócios presentes existem há mais de cinco anos. Trata-se de um marco expressivo frente ao cenário do empreendedorismo no Brasil, onde grande parte das empresas não sobrevive além desse período. Dados do IBGE mostram que 60% dos pequenos empreendimentos fecham as portas antes de completar 5 anos. 

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Expo Preta está na sua quarta edição, dando visibilidade ao afroempreendedorismo no RioMar - Heudes Regis/Divulgação

 

 

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