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Brasil, o país dos impostos: por que pagamos tanto e recebemos tão pouco

Mesmo com arrecadação recorde e reforma tributária em andamento, país ainda convive com carga elevada e má gestão dos recursos públicos

Por Adriana Guarda Publicado em 04/07/2025 às 21:29 | Atualizado em 04/07/2025 às 21:39

O Brasil é conhecido como o país dos impostos. Na quinta-feira (3), o Impostômetro — painel eletrônico que registra em tempo real a quantidade de tributos pagos pelos brasileiros — ultrapassou a marca de R$ 2 trilhões arrecadados neste ano. É o maior valor desde 2015 e representa um crescimento de 11% em relação ao mesmo período do ano passado.

Apesar da robustez na arrecadação, o país aparece entre os 30 com maior carga tributária do mundo e tem um dos piores retornos em serviços públicos à população. A recente tentativa frustrada do governo federal de aumentar a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para reduzir o déficit fiscal reacendeu uma discussão permanente: a elevada carga de impostos em contraste com um Estado ineficiente.

Mesmo com a aprovação da reforma tributária, pensada para simplificar o sistema e unificar tributos, a carga continua alta — e, em alguns casos, o peso sobre o consumo tende a aumentar. "O Brasil arrecada muito, tem um gasto público astronômico e não oferece ao cidadão e às empresas uma entrega compatível com o que pagam", resume a tributarista Mary Elbe Queiroz, pós-doutora em Direito Tributário e presidente do Centro Nacional para Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários.

Carga alta, retorno baixo

Pelo 14º ano consecutivo, o Brasil ocupa a última posição em um ranking internacional que avalia o retorno dos impostos em qualidade de vida. O levantamento, feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), analisa os 30 países com as maiores cargas tributárias do mundo. O Brasil aparece em 30º lugar, atrás de vizinhos sul-americanos como Argentina (11ª posição) e Uruguai (14ª).

Em 2023, a carga tributária brasileira alcançou 33,43% do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa que, na prática, cerca de um terço de tudo o que foi produzido pelo país naquele ano foi usado para pagar impostos. Esse patamar é comparável ao de nações desenvolvidas como França, Alemanha e Reino Unido. Mas, ao contrário desses países, o Brasil apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de apenas 0,786 (em uma escala de 0 a 1), reflexo da baixa qualidade dos serviços públicos.

"Existem três modelos tributários no mundo: países que arrecadam muito e entregam muito, como Alemanha e Suécia; países com baixa carga, mas ambiente favorável a investimentos, como a Irlanda; e o Brasil, que cobra muito e entrega pouco. É uma mistura de Alemanha na arrecadação e Bangladesh na prestação de serviços", afirma o economista Ricardo Chaves, PhD em Desenvolvimento Econômico.

Gasto público e gestão ineficiente

Para reverter esse cenário, especialistas apontam a necessidade de uma gestão pública mais eficiente. Isso inclui cortes em gastos desnecessários, combate rigoroso à corrupção e melhor alocação dos recursos em áreas essenciais como saúde, educação, segurança e infraestrutura.

A tentativa de elevar a alíquota do IOF, posteriormente derrubada pelo Congresso Nacional, foi uma medida do governo federal para tentar reduzir o déficit em R$ 20 bilhões. "Temos uma crise fiscal contratada e anunciada. A própria Lei de Diretrizes Orçamentárias antecipa um apagão fiscal, em que não será possível realizar novos gastos além dos obrigatórios", alerta Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal.

Para Mary Elbe Queiroz, a política também pesa: "A suspensão do aumento do IOF não ocorreu por conta da preocupação com a carga tributária, mas porque emendas parlamentares não haviam sido pagas. Isso mostra a importância de eleger representantes comprometidos com a responsabilidade fiscal e o bem público."

No bolso do cidadão

O peso dos impostos no cotidiano é expressivo. Em 2025, os brasileiros precisarão trabalhar 149 dias apenas para quitar tributos, segundo o IBPT. São cinco meses do ano dedicados ao pagamento de impostos federais, estaduais e municipais. Esse aumento em relação a 2024 se deve à reoneração da folha de pagamento de 17 setores e ao reajuste do ICMS nos estados a partir de abril.

Além disso, tributos sobre importações de pequeno valor também contribuíram para o acréscimo. "Muita gente não se dá conta do quanto paga de imposto. Há quem pense que só as empresas arcam com a carga tributária, mas, na prática, é o cidadão que sente o peso no bolso", comenta Douglas Cintra, empresário e ex-superintendente da Sudene.

Empresas pressionadas

A alta carga tributária também afeta diretamente o setor produtivo. O pagamento excessivo de impostos reduz a margem de lucro das empresas, desestimula investimentos, compromete a geração de empregos e incentiva a informalidade. A complexidade das regras fiscais ainda dificulta o planejamento financeiro e gera insegurança jurídica.

"A gente aumenta a arrecadação todos os anos, mas isso não se traduz em melhores serviços. O problema não é o volume arrecadado, é a forma como o dinheiro público é gasto", analisa o economista Edgar Leonardo.

Reforma Tributária: o que muda?

A reforma tributária aprovada pelo Congresso tem como principal objetivo simplificar o sistema. Ela unifica cinco tributos — PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) — em dois novos impostos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser administrado por estados e municípios.

Hoje, o país tem 27 legislações diferentes para o ICMS e mais de 5 mil normas sobre o ISS. A unificação promete reduzir essa complexidade. Além disso, será criado um Imposto Seletivo, apelidado de "imposto do pecado", que incidirá sobre produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

A reforma também prevê a devolução parcial de tributos para famílias de baixa renda cadastradas no CadÚnico — o chamado "cashback fiscal" — e a alíquota zero para alguns itens da cesta básica. A implementação será gradual, com início de testes em 2026 e substituição completa dos tributos atuais até 2033.

E o futuro?

Embora a reforma tributária represente um avanço em termos de simplificação e transparência, especialistas alertam que ela não resolverá, por si só, o problema da má aplicação dos recursos públicos nem garantirá a redução da carga tributária.

"Precisamos encarar de frente a questão dos gastos públicos. Sem desindexar uma série de despesas e sem coragem para reformar o Estado, vamos continuar transferindo dívidas para as próximas gerações. É uma irresponsabilidade legar esse passivo aos nossos filhos e netos", finaliza Edgar Leonardo.

 

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