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Sebrae-PE: ausência do poder público impulsiona empreendedorismo nas favelas

Para a gerente de Políticas Públicas do Sebrae Pernambuco, Priscila Lapa, preferência por empreender na favela aponta "uma lógica de autoproteção"

Por Laís Nascimento Publicado em 19/06/2025 às 11:53

A ausência do poder público e o senso comunitário impulsionam muitos empreendedores a investir dentro das favelas no Nordeste do Brasil. A análise foi feita pela gerente de Políticas Públicas do Sebrae Pernambuco, Priscila Lapa, a partir do estudo realizado pelo Sebrae Nacional, em parceria com o Instituto Locomotiva, sobre Empreendedorismo nas Favelas das Regiões Metropolitanas do Nordeste.

O levantamento ouviu 657 empreendedores em 12 favelas da região e aponta que 99% deles desenvolvem suas atividades na própria comunidade.

Para Priscila Lapa, as estatísticas revelam que “as pessoas têm um senso comunitário muito forte justamente pela ausência do Estado e de instituições de forma mais estruturada, e também sem romantizar a própria questão da segurança”. Para ela, a preferência por empreender na favela aponta “uma lógica de autoproteção daquelas pessoas”.

GUGA MATOS / ACERVO JC IMAGEM
Relatório do Sebrae destaca forte vínculo emocional das pessoas com seus territórios. Na foto, Wemerson Silva, que empreende no Morro da Conceição - GUGA MATOS / ACERVO JC IMAGEM

O relatório do Sebrae destaca que há um forte vínculo emocional das pessoas com seus territórios, conexão que também gera senso de comunidade e leva a maior solidariedade e apoio mútuo entre os moradores.

É por meio desse apoio e engajamento dentro da própria favela que os empreendedores expandem seus negócios. Segundo o levantamento, 9 em cada 10 entrevistados ainda divulgam seus negócios através do “boca a boca”.

Além disso, 65% têm a intenção de crescer no empreendedorismo para que possam ajudar suas comunidades, enquanto 61% dão preferência para comprar produtos e serviços de pequenos negócios locais da comunidade.

“O jovem quer comprar na comunidade dele, quer que as pessoas da comunidade prosperem e tem essa expectativa de ‘eu não quero ir sozinho, me desenvolver e deixar para trás aquele espaço onde eu nasci, onde que minha família está, onde eu sobrevivi’”, explica Priscila Lapa.

A gerente de Políticas Públicas do Sebrae Pernambuco afirma que há uma noção de empoderamento muito grande dessas pessoas de se afirmarem como alguém que não é vítima de uma circunstância, mas dono do próprio destino, que pode fazer suas escolhas, mesmo com as privações.

Preconceito com empreendimentos em favelas

A respeito do preconceito, o Sebrae mapeou desafios enfrentados pelos empreendedores. Alguns deles afirmam que, principalmente entre clientes de fora do território de favelas, há predileção por comprar produtos de grandes redes por existir preconceitos em relação aos pequenos empreendedores, como se oferecessem produtos de menor qualidade ou mesmo falsos.

Além disso, eles percebem que, quando muitos clientes descobrem que os negócios estão em favelas, carregam o estigma do território e acreditam que os produtos devem ser vendidos por um preço mais baixo, impondo uma precificação difícil de executar para garantir lucratividade.

Em alguns casos, há a percepção do medo dos clientes irem até os estabelecimentos e que, mesmo entre os moradores das favelas, alguns valorizam os empreendimentos maiores como forma de distinção social, prova de que “podem” acessar.

Medo de formalização

JAILTON JR./JC IMAGEM
Pesquisa revela que entre os empreendedores informais, a maioria não gostaria de obter CNPJ. Muitos têm medo de perder benefícios como o Bolsa Família - JAILTON JR./JC IMAGEM

Para muitos empreendedores de favelas, o negócio é um complemento da renda: para 9 em cada 10, o faturamento representa pelo menos metade da renda domiciliar. Apesar disso, 77% dos empreendedores não têm formalização por Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

A pesquisa revela que entre os empreendedores informais, a maioria não gostaria de obter CNPJ.

De um lado, o custo mensal para manutenção da empresa e a burocracia aparecem como barreiras para a formalização. Do outro, o medo e a incerteza de que podem perder um benefício social, como o Bolsa Família.

O levantamento aponta que o benefício possui o papel de ser uma renda que garanta um pouco de “estabilidade” para o orçamento familiar.

Regra de proteção

Nem todo empreendedor perde benefícios como o Bolsa Família ao se formalizar. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome publicou uma portaria em 2022, reeditada em 2025, criando uma regra de proteção para esses casos.

Em vigor desde junho deste ano, a regra amplia o foco nas famílias em situação de maior vulnerabilidade e promove ajustes para manter a sustentabilidade e a efetividade do programa.

Agora, as famílias que ultrapassarem o limite de renda para entrada no Bolsa Família - de R$ 218 por pessoa da família -, até o limite de renda de R$ 706, poderão seguir no programa por mais 12 meses, recebendo 50% do valor do benefício.

DIVULGAÇÃO/ MDS
Nem todo empreendedor perde benefícios como o Bolsa Família ao se formalizar - DIVULGAÇÃO/ MDS

Já as famílias cuja renda seja considerada estável ou permanente - como aquelas que recebem aposentadoria, pensão ou Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) - poderão permanecer com o auxílio do Bolsa Família por até dois meses.

“O MEI é uma das maiores políticas públicas do Brasil dos últimos 20 anos. É uma inovação social extremamente arrojada, tanto que hoje a maior parte dos empreendedores brasileiros são microempreendedores individuais. Mas ficou uma lacuna de não ter sido planejado o processo de transição entre o benefício social e o empreendedorismo”, explica Priscila Lapa.

Para ela, é importante entender a lacuna para melhorar processos produtivos, e assim, gerar riqueza que possa ser incorporada ao Produto Interno Bruto (PIB) e se reverter em política pública para para os empreendedores.

Cenário nas favelas

De acordo com o levantamento do Sebrae, o número de favelas no Brasil dobrou na última década. Atualmente, são 12.348 favelas mapeadas: 3.313 delas no Nordeste e 849 em Pernambuco.

O estado é o terceiro do país com maior número de favelas e comunidades urbanas, atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Da Região Metropolitana do Recife ao Sertão, são mais de 474 mil domicílios e mais de um milhão de pernambucanos.

Ainda segundo o Sebrae, os moradores de favela no Nordeste movimentam R$ 71,3 bilhões em renda própria por ano, revelando alta potência de consumo dos territórios.

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