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Empreendedorismo nas favelas do Nordeste revela potência econômica, mas alta informalidade

Levantamento inédito do Sebrae e Instituto Locomotiva mostra que a maioria dos empreendedores das favelas nordestinas atua por necessidade

Por Adriana Guarda Publicado em 13/06/2025 às 19:59 | Atualizado em 13/06/2025 às 20:03

Nas favelas do Nordeste, empreender é mais do que gerar renda: é construir caminhos de sobrevivência e pertencimento em meio a muitos obstáculos. Uma nova pesquisa divulgada na quinta-feira (12), no Recife, revela que a maioria dos empreendedores da região atua dentro do próprio território onde mora, movida pela necessidade e pela força da comunidade. O estudo, realizado pelo Sebrae Nacional em parceria com o Instituto Locomotiva, traça um retrato inédito do empreendedorismo nas periferias nordestinas, com dados que escancaram tanto a potência quanto as dificuldades enfrentadas por quem empreende à margem da formalidade.

A pesquisa ouviu 657 empreendedores em 12 favelas da região e aponta que 99% deles desenvolvem suas atividades na própria comunidade, onde mantêm redes de clientes, fornecedores e apoio mútuo. Esse forte vínculo com o território mostra que, mais do que uma escolha econômica, o empreendedorismo nas favelas é uma forma de resistência diante da exclusão do mercado formal.

Nordeste e Brasil

Alguns fatores diferenciam o cenário no Nordeste do restante do Brasil. A informalidade é ainda mais acentuada: 77% dos entrevistados não possuem CNPJ, e entre os que estão formalizados, a maioria é enquadrada como MEI. A motivação por necessidade também é mais presente — 41% começaram a empreender após perderem o emprego anterior, e não por desejo de autonomia ou realização pessoal.

A maior parte dos empreendedores ouvidos é composta por mulheres negras, com baixa escolaridade e baixa renda, grupo que enfrenta múltiplas barreiras de inserção no mercado de trabalho. Para elas, o empreendedorismo aparece como a única alternativa viável de geração de renda. Mesmo com uma renda instável, 74% afirmam que o negócio é hoje a principal fonte de sustento da casa, e 48% dizem que o faturamento cobre toda a renda familiar.

A falta de formalização está ligada a fatores como custo, burocracia, medo de perder benefícios sociais e desconhecimento sobre as vantagens da legalização. Apenas 21% dos entrevistados fizeram algum tipo de capacitação, e muitos afirmam não saber como abrir um CNPJ ou desconhecer os direitos garantidos pelo MEI.

Desafios e otimismo

Apesar dos desafios, o otimismo é alto. Entre os entrevistados, 77% se dizem confiantes no futuro do próprio negócio, e 76% têm planos de ampliar ou abrir um novo empreendimento. Há também um forte sentimento de coletividade — 65% querem crescer para ajudar a desenvolver a própria comunidade, e 61% priorizam a compra de produtos e serviços de fornecedores locais.

A pesquisa também apontou dificuldades estruturais importantes. Mais da metade não tem um espaço próprio de trabalho, a gestão financeira é feita, na maioria dos casos, de forma informal e misturada com as finanças da casa, e só 13% fizeram cursos sobre gestão de negócios. Além disso, muitos relatam sofrer preconceito por serem empreendedores de favela, especialmente quando tentam vender para fora do território, o que afeta diretamente o crescimento e a autoestima dos negócios.

Sebrae

Apresentada durante a Oficina Regional de Inclusão Socioprodutiva, a pesquisa marca o início de uma série de encontros que o Sebrae pretende realizar em outras regiões do País para mapear ações voltadas à população vulnerável. Em Pernambuco, o evento contou com a presença de representantes do Ministério Público, do Tribunal de Contas do Estado, do Governo de Pernambuco, da CUFA e de outras instituições parceiras.

Para Angélica Hatori, analista do Sebrae Pernambuco, o estudo oferece um ponto de partida importante para a construção de políticas públicas mais eficazes. “Esses dados nos ajudam a entender melhor os desejos e as limitações de quem empreende nas favelas. A partir disso, podemos alinhar estratégias e unir forças com outras instituições para promover a inclusão produtiva de forma mais estruturada e realista”, destacou.

O levantamento também joga luz sobre o tamanho da economia periférica. Só no Nordeste, segundo dados da PNAD e do Censo, as favelas concentram 2 milhões de domicílios e movimentam R$ 71,3 bilhões em renda própria por ano. Em todo o Brasil, são mais de R$ 335 bilhões — o equivalente à quinta maior massa de renda do País, caso formassem um estado. Uma potência econômica viva, mas ainda invisibilizada e desassistida.

 

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