FRAUDE NO INSS: Governo promete ressarcir aposentados até dezembro, mas especialista vê risco de prejuízo à sociedade
Apesar do anúncio de um cronograma de ressarcimento aos prejudicados pela fraude no INSS até o final do ano, beneficiários e especialistas questionam

O governo federal tenta acalmar a opinião pública, diante da repercussão que a fraude do INSS ganhou. O esforço é para impedir que a popularidade da gestão Lula seja arranhada e que ocorra uma judicialização em massa. Na quarta-feira (23), a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram uma fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do INSS. Associações teriam realizado descontos indevidos nos benefícios que somam R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
Em um primeiro momento, o governo anunciou a devolução de R$ 292 milhões em descontos indevidos de mensalidades associativas realizados sobre os benefícios de aposentados e pensionistas no mês de abril. Os reembolsos começaram na segunda-feira (26) e seguem até o dia 6 de junho, de acordo com um cronograma. A medida levantou críticas sobre a devolução dos valores dos demais meses.
Na terça-feira (27), o novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, garantiu que os beneficiários lesados serão ressarcidos até 31 de dezembro deste ano. Segundo ele, os recursos viriam de uma antecipação de recursos do Tesouro Nacional, que liberaria o dinheiro, enquanto valores bloqueados das entidades suspeitas — cerca de R$ 1 bilhão até o momento — serão posteriormente recuperados e devolvidos ao erário. A Advocacia-Geral da União (AGU) tambem aguarda decisão judicial sobre o bloqueio de mais R$ 2,5 bilhões das associações.
Críticas à resposta do governo
Apesar da promessa de ressarcimento, especialistas apontam falhas na atuação do INSS e temem que o prejuízo final recaia sobre a sociedade. Para o advogado e especialista em Direito Previdenciário, Rômulo Saraiva, o governo age de forma “incompleta e errada” ao não apresentar um plano claro e objetivo para a devolução do dinheiro.
Segundo ele, o prazo concedido às associações para justificar os descontos ou devolver os valores — até 30 dias úteis — é inócuo, diante da natureza fraudulenta dessas entidades. “É estranho esperar que essas associações, que surgiram para subtrair dinheiro, devolvam de forma voluntária o que desviaram”, critica Saraiva.
O especialista também lamenta a falta de ações efetivas para sequestro de bens dos envolvidos. “Se essas associações desaparecerem e não houver penhora significativa, quem vai pagar essa conta é a sociedade brasileira?”, alerta.
Qual é a melhor opção: JUSTIÇA ou INSS?
O advogado Rômulo Saraiva orienta que os aposentados prejudicados ingressem com ação judicial, mesmo diante do processo administrativo aberto pelo INSS. Segundo ele, a Justiça oferece condições mais vantajosas, como a devolução dos valores com juros e correção monetária, além da possibilidade de indenização por danos morais.
“O processo administrativo é lento e incerto, enquanto a Justiça costuma ser mais eficiente para quem foi lesado”, afirma. Ele explica ainda que, caso a associação faça a devolução administrativa durante a tramitação da ação, o aposentado pode informar ao juiz e desistir do processo ou mantê-lo para discutir diferenças ou pleitear indenização. “Em tese, há até a possibilidade de receber duas vezes, mas o mais prudente é comunicar ao juiz para evitar enriquecimento sem causa”, complementa.
A orientação do advogado é o temor do governo. Pelos cálculos do INSS, 9 milhões de aposentados e pensionistas têm descontos associativos. Desses, o governo tenta descobrir quantos foram lesados. Balano da terça-feira (27) mostra que 2,23 milhões de beneficiários informaram que os descontos nos seus contracheques não foram autorizados.
Fraude disseminada em todo o país
A operação revelou uma atuação ampla e pulverizada das associações fraudulentas. Embora sediadas majoritariamente em estados do Sul e Sudeste — especialmente São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro —, as entidades realizaram descontos em segurados de todas as regiões do Brasil.
“Ironicamente, eles roubaram com uma certa democracia”, comentou Saraiva, relatando casos de clientes do interior que jamais estiveram em São Paulo, mas foram surpreendidos com cobranças de entidades sediadas na capital paulista.
Crise na Previdência e risco de agravamento
Além dos prejuízos diretos, a Operação Sem Desconto agrava a já delicada situação administrativa do INSS. O afastamento de integrantes do alto escalão do órgão e do Ministério da Previdência, após o escândalo, contribuiu para paralisar serviços e aumentar a fila de espera.
Saraiva lembra que, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo, havia cerca de 1,1 milhão de pessoas aguardando análise de benefícios por mais de 45 dias. Hoje, esse número mais do que dobrou, alcançando 2,6 milhões.
Para o especialista, a combinação de crise administrativa, falta de pessoal — que caiu de 40 mil para cerca de 20 mil servidores na última década — e instabilidade política compromete ainda mais a capacidade do INSS de prestar um serviço ágil e eficiente.
“O INSS ficou acéfalo, sem comando, e muitos gestores temem responsabilizações criminais. Quem precisa do benefício fica sem acesso à sua renda previdenciária”, resume Saraiva.
CPIs e histórico de impunidade
O escândalo também impulsiona movimentos no Congresso Nacional para a abertura de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Saraiva se mostra cético quanto à eficácia desse tipo de investigação: “As CPIs no Brasil são muito espetaculosas, criam desgaste político e eleitoral, mas têm pouca efetividade”.
Ele recorda que, desde 1947, sucessivas CPIs sobre fraudes previdenciárias pouco avançaram, sendo a mais significativa a que investigou a Máfia da Previdência Social em 1993, mas que mesmo assim recuperou apenas 7% dos valores desviados.