Grupo JCPM 90 anos: "O futuro não me assusta"; veja entrevista com João Carlos Paes Mendonça
Nesta entrevista, João Carlos Paes Mendonça relembra a trajetória do Grupo JCPM, reflete sobre conquistas, desafios e projetos para o futuro

Em conversa com os jornalistas Fernando Castilho, Adriana Guarda e Anne Barretto, João Carlos Paes Mendonça relembra a trajetória de 90 anos do Grupo JCPM, criado por seu pai. De uma pequena mercearia no interior de Sergipe a um líder empresarial no Nordeste, ele reflete sobre conquistas, desafios, projetos que o motivam e visão de futuro.
Jornal do Commercio - O Grupo JCPM completa 90 anos e 78 com a sua participação. Como foi a jornada até 2025?
João Carlos Paes Mendonça – Tudo começou na Serra do Machado, interior de Sergipe. Depois, em Ribeirópolis, comecei a trabalhar com meu pai aos 9 anos. Aos 13, nos mudamos para Aracaju e fui para o balcão. Na época, o comércio era atacado e difícil vender porque havia a concorrência de quatro familiares no mesmo segmento. Com 18, abri a primeira filial, em Propriá, que atendia toda a margem do São Francisco e região. Aí começamos a crescer no estado, criamos supermercados e até um mini mercado para treinamento. Depois, uma fábrica de beneficiamento de arroz e milho. Até que, em 1966, chegamos ao Recife.
JC – Foi quando recebeu um telegrama do seu tio Mamede, aconselhando a não investir na cidade. Por que decidiu seguir em frente?
JCPM – Sergipe estava ficando pequeno para mim. Quando disse isso ao meu tio (Mamede Paes Mendonça), por quem tenho grande estima, falou “Você tem que ir para a Bahia.” Mas expliquei que não havia mercado para nós dois na época. Quando soube que eu estava no Recife, enviou um telegrama dizendo: “João Carlos, não compre terreno no Recife. É uma cidade pobre.” Mas já estava comprado. A inauguração foi em 2 de julho de 1966, às 7h da manhã, com transmissão da Rádio Liberdade de Sergipe. Meu tio foi o primeiro a chegar, com terno branco, me encontrou arrumando tudo. Foi uma surpresa. Aí não tinha volta, estávamos no Recife.
JC – Como foi a escolha de Casa Amarela para a primeira loja?
JCPM – Inicialmente, planejamos três lojas no Recife: Encruzilhada, Madalena e Casa Amarela. Fizemos vários estudos e concluímos que Casa Amarela era o bairro que estava menos assistido por supermercados, além de ser o mais difícil de conquistar. Ou seja, se fôssemos bem ali, conseguiríamos continuar crescendo. Então, mesmo desafiador, era o ponto de partida.
JC – E como surgiu a marca Bompreço?
JCPM – Fizemos uma lista de nomes com a ajuda de um amigo marqueteiro. Estávamos inclinados para o nome Bompreço, mas a confirmação veio num jantar com um amigo. No meio da conversa, as senhoras presentes começaram a dizer: “Casa Amarela é muito competitiva, tem fulano, tem beltrano...”. E aí uma soltou: “Ah, mas se tiver um bom preço é diferente”. Quando fomos embora, minha esposa Auxiliadora disse: “Você ainda tem dúvida?”. Aí batemos o martelo: o nome é Bompreço.
JC – Qual era o maior diferencial do Bompreço?
JCPM – Tudo. Era nosso, do povo daqui, com diferenciais claros: qualidade, localização, sortimento, higiene, atendimento, relacionamento com os clientes. Para os funcionários, tínhamos benefícios que ninguém dava na época. Com a comunidade, criamos um relacionamento excepcional. Fui para os EUA e vi que lá todo mundo recebia cheque. Aqui, as lojas colocavam plaquinhas: “Não aceitamos cheque.” Pensei: “Estamos punindo os honestos por causa dos desonestos.” Aí criamos um cartão fidelidade só pra receber cheque. Nossa preocupação era o cliente.
JC – A concorrência se acirrou com a chegada do sócio holandês?
JCPM – Veio concorrente? Veio. Teve loja maior que a nossa? Teve. Mas a gente vendia o dobro da concorrência. Nem 2% tiraram das nossas vendas. A concorrência só me fez crescer, agradeço aos meus concorrentes. Mas tem que ter juízo, viu? Essa competição acirrada, um em cima do outro, precisa saber escolher onde abrir, explorar espaços vazios. Isso serve, inclusive, para o Atacado. Em 1996, eu vendi 50% do Bompreço e voltei com parte do recurso para aumento de capital, para apoiar a expansão em outras regiões, como Bahia e Maranhão.
JC – E por que o senhor decidiu vender o Bompreço?
JCPM – Eles tinham uma vontade enorme de crescer. Mas, quando vendemos parte para eles, limitamos a área de atuação e eles insistiram para que a gente ampliasse. Mas eu não queria. Além disso, na Holanda, executivos com mais de 60 anos não têm vez. Eu tinha 62 quando decidimos vender. Eu pensei: “Por que que eu vou insistir nisso agora?” Acredito que sou guiado por Deus nas decisões. Trabalhava demais, loucamente, e disse: “Chega.” Tomei a decisão rápido. Falei com minha esposa e meus irmãos Eduardo e Reginaldo. Ninguém mais. Ninguém ganhou dinheiro nessa transação (referindo-se a consultores e bancos de investimentos). Não vendemos por esperteza ou por medo de concorrer.
JC – Como foi ser o primeiro nordestino a presidir a Associação Brasileira de Supermercados (Abras)?
JCPM – A Abras era uma associação paulista disfarçada de brasileira. Eu já era ousado, via que precisávamos ser uma entidade nacional de fato. Comecei a participar ativamente, levantei discussões sobre pesos e medidas — a importância de respeitar o que se vende ao consumidor. Fui me envolvendo e, num determinado momento, decidi me candidatar, eu queria defender nossos interesses no Brasil inteiro, não apenas em São Paulo e no Rio. Vencemos com 66% dos votos. Foi uma vitória importante trazer representatividade nacional.
JC – E como veio a decisão de investir em shoppings?
JCPM – Não foi planejado. Eu queria parar, montar um escritório pequeno. Era para encerrar a vida empresarial, mas as coisas acontecem. Eu já tinha uma participação no Tacaruna, depois comprei uma parte maior. O pessoal do Shopping Recife propôs que eu comprasse a parte deles. Compramos, e aí começou tudo. Depois que começa, ninguém sabe aonde para. Vieram as ofertas: Aracaju, Salvador... No Recife, tínhamos o terreno que era da antiga área da Bacardi que, no futuro, se tornou o RioMar.
JC – Como surgiu o nome RioMar?
JCPM – Eu coloquei para a equipe opinar e eles tinham certa resistência ao nome porque era de um empreendimento em Aracaju, que compramos e passamos a operar. Pegamos ele em situação difícil e fomos investindo. Foi natural manter o nome, foi consequência. Em Fortaleza, fizemos a mesma coisa: RioMar Kennedy, no bairro Presidente Kennedy, de classe C, que precisava de investimento. E tudo foi seguindo. Como no Bompreço, as coisas aconteceram.
JC – E o Sistema Jornal do Commercio? Qual foi a motivação para entrar na comunicação?
JCPM – Compromisso com a sociedade. No fim dos anos 1980, o jornal estava afundando e participei de um grupo que queria resgatá-lo. Mas as pessoas foram desistindo e só eu fiquei. Me satisfaz saber que nunca nos deixamos chantagear. Nunca recebi reclamação séria de ninguém. Porque se alguém tiver razão, tem o direito de resposta no jornal. Antes, alguns vinham reclamar e eu dizia: “Está preparado para a apuração?” A maioria não aguentava. Eu não tenho partido. Minha ideologia é clara: defesa da sociedade, da economia de mercado, da livre iniciativa. Não sou de direita nem de esquerda, pego um pouco do que gosto em cada lado.
JC – Próximo dos 90 anos, o senhor decidiu investir em Guadalupe. Por que?
JCPM – Guadalupe é um projeto de longo prazo. Nossa estratégia inicial é fazer infraestrutura, investir primeiro. Depois, vender de forma gradual. Eu sempre penso no longo prazo, no futuro. Estratégia bem feita é compromisso com as próximas gerações. Esse é o caminho.
JC – Voltando a Sergipe, como sua terra se tornou um marco para a atuação social do grupo?
JCPM – Fui visitar a Serra do Machado e fiquei impressionado: casas caindo aos pedaços, portas trancadas. Decidi assumir a responsabilidade de fazer algo. Construímos um lar de idosos e, depois, ampliamos a atuação. Hoje temos escola de ensino integral, bairro planejado, clínica, tudo com dignidade, simplicidade e cuidado. O futuro depende de pessoas e recursos e, graças a Deus, temos os dois. No mundo empresarial, a verdade é que o tempo passa e a memória também. Então acho que vou ser lembrado principalmente pela atuação social na Fundação Pedro Paes Mendonça e no Instituto JCPM.
JC – Qual mensagem o senhor deixa para o futuro?
JCPM – A sociedade precisa usar a tecnologia a seu favor, dizer o que quer dela, não o contrário. Não adianta inovar sem saber o que se quer com essa inovação. Vai ser preciso trabalhar muito e se adaptar, não existe “fórmula mágica”. A inteligência artificial está aí, aprendendo funções e deve gerar desemprego. Mas uma coisa é certa: o marketing do futuro será focado nas pessoas. Não existe mudança sem gente envolvida. Temos que olhar para as pessoas.