Os 19 meses na gestão Bolsonaro, como secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado do Ministério da Economia, fizeram com que o empresário e defensor do pensamento liberal Salim Mattar reforçasse suas impressões sobre o governo. "Existe um establishment político, em que tudo deve se manter como está na máquina governamental", diz. A decepção fez Salim desistir de voltar a atuar nas suas empresas. Decidiu colocar foco no trabalho de disseminação do liberalismo Brasil afora.
Foi o que veio fazer no Recife nesta terça-feira (16), a convite do Atitude Pernambuco - grupo que também apoia o liberalismo - e do Núcleo Recife do Instituto de Formação de Líderes (IFL Brasil). O evento fechado aconteceu no Edifício do JCPM, no Pina. Entusiasmado com o futuro do Brasil, apesar das frustrações, Salim convoca todos os que acreditam na igualdade entre os indivíduos e que não aceitam privilégios para engrossar a causa liberal. Antes do evento, Salim esteve no JC e conversou com a repórter Adriana Guarda e o colunista Igor Maciel.
JORNAL DO COMMERCIO - O senhor teve sua vida dedicada ao setor privado, criando e comandando uma grande empresa, como a Localiza. Como foi a experiência de observar o Brasil pelo lado do serviço público, como secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado do Ministério da Economia?
SALIM MATTAR - Confesso que fiquei decepcionado, porque o Estado é o fim em si mesmo. A preocupação não é com a sociedade brasileira, mas com o funcionamento da máquina. Para mim foi uma experiência única, impagável. Depois dela eu não tive coragem de voltar para os meus negócios. Decidi que eu tenho, de alguma forma, que dedicar um pouco do meu tempo para começar a denunciar as mazelas do estado e do governo, além de apresentar alternativas e disseminar as ideias liberais. Então é isso que eu estou fazendo.
JC - O senhor encontrou muitos adeptos do liberalismo aqui em Pernambuco? Por que o Estado vai abrigar o primeiro Núcleo do Instituto de Formação de Líderes no Nordeste, qual é a metodologia do projeto?
MATTAR - O meu principal objetivo de estar aqui hoje é porque algum tempo atrás eu tive contato com um grupo de empresários que se chama Atitude. São empresários preocupados com o futuro do Brasil. E eu tomei conhecimento desse grupo, tivemos algumas reuniões e vi que são empresários bem intencionados, que desejam contribuir nas discussões para ter um Brasil melhor. Conversei com empresários locais como Guilherme Ferreira da Costa que é um dos fundadores, mas o grupo é formado por Paulo Sales (da Bateria Moura), Jorge Petribu e outros. A grande maioria ligada aos grandes grupos empresariais com decisão local e pensamento multisetorial.
JC - A partir de que momento os empresários passaram a ficar mais atuantes na vida nacional e a pressionar o governo?
MATTAR - No passado, nós empresários vivemos num país cheio de crises, inflação elevada, juros elevados, burocracia do Estado e dificuldade de obter uma licença ambiental. Foi sempre o Estado infernizando a vida do empresário e do cidadão. Então, os empresários durante esses últimos anos se dedicaram os seus negócios. E foram espetaculares porque mantiveram os seus negócios, cresceram, geraram emprego e renda, produziram riqueza no País. E nesse intervalo de anos os políticos tomaram conta do Estado.
JC - Quanto tempo isso durou mais ou menos?
MATTAR - Se você verificar o crescimento econômico vai perceber que o Brasil foi mal nos últimos 20 anos. Então nós empresários ficamos afastados durante todo esse tempo. Agora nós queremos fazer de uma forma republicana ajudar a interferir no governo para melhorar as coisas, por exemplo no Governo Federal.
JC - Que tipo de intervenção a iniciativa privada já conseguiu fazer?
SALIM - Implementar a lei da Liberdade Econômica para simplificar uma série de burocracias para quem produz foi uma delas. O estado de Minas fez a lei de liberdade Econômica lá e agora o governo está implementando em cada cidade a lei da Liberdade econômica do município, baseada no modelo estadual. Hoje, em Minas, você abre uma empresa muito rapidamente. Isso tudo é uma forma de você facilitar o empreendedor a abrir um negócio que vai gerar emprego e riqueza.
JC - O governo tem imposto remédios amargos à população. Um deles é sugerir furar o teto de gastos que, num primeiro momento parece uma medida para garantir o pagamento Auxílio Brasil, mas ao mesmo tempo sabe-se que esta não é a solução, porque terá impactos negativos sobre a economia e o Risco-Brasil...
MATTAR - Furar o teto do gasto não é o caminho correto. Vamos dar o exemplo de uma família que precisa levantar um valor em dinheiro. O que as pessoas fazem? Vendem o segundo carro ou o próprio carro; vende um sítio, vende um barco. O governo brasileiro também tem um patrimônio e a possibilidade de se desfazer dele sem mexer no teto de gastos. São muitos os imóveis que podem ser vendidos, sem falar nas estatais. Para além disso, também tem as ações do Banco do Brasil, que facilmente se levantaria R$ 40 bilhões para arcar com o Auxílio Brasil.
JC - Como o senhor avalia as perspectivas para a economia brasileira no próximo ano. Muitos economistas estão prevendo estagflação (mistura explosiva de inflação alta e baixo crescimento econômico), enquanto outros acreditam que as eleições e o agronegócios vão sustentar o resultado do País em 2022. Qual a avaliação do senhor?
MATTAR - Você tocou em um ponto importante. Para amenizar o ano que vem é preciso controlar a inflação elevada e os juros elevados, porque eles significam retração dos investimentos e desemprego. Diante disso, eu imagino que Guedes terá cuidado com a biografia dele. Enquanto muitos economistas fazem previsões negativas para 2022, Guedes está otimista. Isso nos faz pensar que ele tem alguma carta na manga. Continua falando em crescimento em V de uma forma consciente, por isso acredito que ele poderá surpreender com alguma medida.
JC - Por outro lado, uma sorte neste momento foi ter sido votada a autonomia do Banco Central, não é? Permitindo subir os juros e controlar a inflação.
MATTAR - O problema é que no Brasil tudo vira muito rápido o tempo todo. Você acha que o tempo está tranquilo e resolve voar, aí vem uma tempestade. É mais ou menos assim. Os juros no País estavam civilizados a um bom tempo, na casa de 2% ao ano, aí a inflação dispara e faz tudo desandar. É difícil investir nesse cenário.
JC - Assim como Reforma da Previdência, a Reforma Administrativa poderia deixar uma folga no caixa do Governo Federal e ajudar a turbinar os investimentos. Para o senhor, que fez parte desta gestão, o que falta para ela passar?
MATTAR - O texto original da Reforma Administrativa mexia com muitos privilégios nos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Acabava com 60 dias de férias para juízes, colocava um fim em vários penduricalhos como auxílio paletó, isso e aquilo. Aí, quando foi passando pelo Congresso foi sendo modificada porque cada um queria manter seus privilégios. A versão atual é bem diferente e, ainda assim, era melhor que passasse essa do que nenhuma. Mas Bolsonaro foi perdendo apoio no Congresso e acabou aprovando poucas propostas da sua agenda liberal.
JC - Ainda falando sobre privilégios, o senhor costuma falar em um projeto de Saúde Universal, que seria igual para todos, do Ministro do Supremo ao morador da periferia. Como seria?
MATTAR - A ideia seria que nenhum funcionário público tivesse plano de saúde pago pelo governo. Todos teriam que usar o Saúde Universal, um sistema como o SUS, mas que atenderia a todos. Como juízes, deputados e políticos teriam que usar, com certeza todos os dias apareceriam verbas para reformas, aquisição de equipamentos e construção de novos hospitais. Aposto que até lençol de linho teria nas camas.
JC - As Eleições 2022 se aproximam, mais uma vez com um cenário de polarização, como aconteceu em 2018. Como o senhor avalia esse cenário, quem seria a terceira via tão aguardada?
MATTAR - Essa polarização é muito ruim, o cidadão brasileiro está cansado, ele já não quer ver mais as notícias. Por enquanto o que existe é o cansaço da sociedade em relação a essa priorização e há uma possibilidade que nós só tenhamos candidatos sociais democratas. Então, o Brasil vai continuar sendo governado por sociais democratas. E quem são os sociais democratas? Eu repito: são aqueles que acreditam que o Estado tem que ser grande, gigantesco. E que é preciso tomar a decisão pelo cidadão porque ele não é capaz de tomar.
JC - Que nomes o senhor acredita que podem fazer diferença na disputa?
MATTAR - Temos aí um ambiente valorizado e ainda vai passar muita água debaixo da ponte. Um ano para uma eleição é tempo demais, então acho que nós temos que ter paciência para poder esperar o que que vai acontecer, pode ser que surjam novos candidatos de última hora, mas hoje o quadro é esse.
JC - Só para descontrair, como ficou o sonho do senhor de se tornar pianista diante da recusa de seu pai quando era criança?
MATTAR - (Risos) Eu deixei de lado essa história de música. Sou desafinado até cantando parabéns e resolvi seguir a orientação do meu pai de botar um negócio. Mas confesso que tenho um piano preto no meio da sala para me lembrar do safanão que ele me deu. Eu não consegui aprender, não levava jeito. Tem gente que tem aquele dom na alta. Elton John no piano é um show. Como não consegui aprender, contratei uma professora para tentar fazer com que as minhas três filhas se interessassem. Elas começaram, mas abandonaram, acharam muito chato. Mas o piano continua lá. A educação de antigamente era interessante e existia uma obediência cega aos pais. Nós éramos 11 filhos e para almoçar e jantar colocávamos uma revista debaixo de cada braço (para comer direito com os talheres e se portar melhor, de braços fechados). Quem derrubasse as revistas perdia o direito de ir à matinê.