Ela começou no Recife e se tornou a primeira brasileira a abrir uma galeria em Nova York: conheça a trajetória de Nara Roesler
Com galerias também em São Paulo e no Rio de Janeiro, Roesler volta ao Recife para a ART.PE: 'A arte brasileira é vista como muito livre e criativa'

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"Uma galerista nordestina chegando em São Paulo, em 1986, sem conhecer colecionadores. Naquele tempo, ainda se implicava com nordestino e com mulher. Agora, isso melhorou. Tive de desbravar, provar competência trabalhando, trabalhando, trabalhando. Em Nova York, foi tudo isso, sendo que pior."
O relato é da pernambucana Nara Roesler, uma das principais galeristas do País. Sua trajetória começou no Recife, em 1976, com a Gatsby Arte, que ficava na Rua Faustino Porto, em Boa Viagem. Quase quarenta anos depois, a Galeria Nara Roesler tornou-se a primeira do Brasil a abrir um espaço expositivo em Nova York, no Upper East Side.
Desde 2021, a galeria está instalada em Chelsea, um dos bairros mais importantes do circuito internacional da arte, ao lado de gigantes como Gagosian, David Zwirner e Gladstone.
É difícil resumir uma carreira de 50 anos em poucas palavras, mas, se fosse possível, seria uma trajetória marcada pela capacidade de estabelecer conexões, abrir caminhos e criar novas formas de olhar.
Comemorando 40 anos de atuação em São Paulo, a Galeria Nara Roesler participa da ART.PE 2025, desta quinta-feira (9) ao domingo (12). A presença no evento marca um retorno às raízes e reafirma a relevância cultural do Recife no mapa da arte.
Como costuma dizer a própria galerista, em uma referência ao famoso slogan da Rádio Jornal do Commércio: "É Pernambuco falando para o mundo".
Raízes no Recife
Nara Roesler é filha de colecionadores e neta de um ex-diretor da antiga Escola de Belas Artes da Faculdade do Recife (futura UFPE), crescendo imersa nesse ambiente. Aos 19 anos, abriu uma loja de design com uma sócia.
"Queríamos apresentar grandes designers europeus, principalmente suecos e italianos. Era algo totalmente de vanguarda, pois não existiam designers brasileiros de objetos. Era complicado explicar para as pessoas que uma geleira de aço de um designer renomado valia mais que um balde de prata comum. Na verdade, sempre foi desafiador explicar algo que estava à frente dos hábitos", diz Nara, em entrevista por chamada de vídeo ao JC.
O interesse pelas artes visuais surgiu ao conhecer o pintor, desenhista e gravador José Cláudio (1932–2023), um dos principais nomes do modernismo pernambucano, a quem começou a representar — mesmo antes de ter uma galeria.
"Comecei a fazer esse trabalho na minha casa. Eu tinha dois filhos pequenos, então tinha de arrumar os brinquedos espalhados pela sala para receber quem iria conhecer as obras. José Cláudio me ensinou a ver coisas que eu não conseguia sozinha com o meu olhar. Ele despertou em mim a vontade de ser galerista. Criei uma sala separada para exposições na loja que já tinha", relembra.
Na Gatsby Arte, como passou a se chamar o novo espaço, realizou sua estreia com a mostra "O Desenho em Pernambuco", reunindo obras de Vicente do Rêgo Monteiro, José Cláudio, Samico, Francisco Brennand e Wellington Virgolino.
Do Recife a São Paulo
Ainda no Recife, Nara passou a representar uma galeria de São Paulo e trouxe a Pernambuco grandes curadores, como Olívio Tavares de Araújo, promovendo encontros entre curadores e artistas, entre eles Tomie Ohtake. "No começo, eu conseguia um público de 10 pessoas, porque o público há 40 anos atrás era muito pequeno. Mas é assim quando a gente começa."
Com a mudança para São Paulo, levou nomes como Brennand, Samico, José Patrício, Marcelo Silveira e Paulo Bruscky — de quem já realizou uma retrospectiva. Representou também Tomie Ohtake e Iberê Camargo. Hoje, seu catálogo reúne 55 artistas.
"Meu fio condutor sempre foi muito amplo, pois eu nunca fiquei presa a um estilo. Sempre me interessei por artistas de qualidade, independente de uma escola. E assim fui compondo o meu elenco. Era algo que o mercado queria: tudo junto e misturado", diz Nara.
“Hoje em dia, o regionalismo está bem em voga, despertando curiosidade do público. Acho isso superinteressante, mas não me apego a isso. Uma boa qualidade do artista, pensar bem, transmitir plasticamente o que pensa, é o que é importante. Porém, o interesse pelo regional precisa ser despertado, as pessoas precisam conhecer."
Nova York e a consolidação internacional
Em Nova York, Roesler compreendeu que o processo para se estabelecer era semelhante ao de começar do zero. "Tudo é devagarzinho. Não é como se as mostras já começassem sendo grandes sucessos. Tudo é plantado, da mesma forma que plantei em São Paulo. Plantamos de forma paciente."
No caldeirão cultural nova-iorquino, a arte brasileira é vista como "muito livre e muito criativa". Entre as conquistas mais relevantes da galeria está a inclusão de Tomie Ohtake nos acervos do MoMA – The Museum of Modern Art e do Metropolitan Museum of Art, ambos em Nova York.
"Muita gente gostaria de estar nesses espaços, pois existe muita gente boa. O mundo das artes é uma guerra. Por isso, tenho muito orgulho da qualidade dos nossos brasileiros. O pernambucano Marcelo Silveira, por exemplo, faz um sucesso incrível em Nova York, sobretudo com trabalhos de pele e madeira. Também já expomos José Patrício e Paulo Bruscky aqui."
Uma história de trabalho e paixão
Atualmente, a Galeria Nara Roesler também mantém sede no Rio de Janeiro. Ao todo, soma uma equipe de 60 pessoas e participa, em média, de 10 feiras internacionais por ano. Seus sócios hoje são os filhos, Alexandre e Daniel, “que não assumirão tudo no futuro”, diz Nara, com humor.
"Acho que cheguei até aqui com muita paixão pelo que eu faço. Trabalho 24 horas por dia. O trabalho é meu hobbie. Eu consegui envolver família, profissionais competentes, porque ninguém faz nada sozinho. E também pela escolha ampla, por não ter fechado o leque”, afirma.
Ao final da entrevista, ela deixa um conselho para quem deseja seguir o mesmo caminho: "A relação do artista com o galerista é como um casamento: enquanto o artista sentir que o galerista está levando ele ao mundo, e o galerista sentir que o artista está criando. Quando combinamos isso, é como fio de bigode."
SERVIÇO
ART.PE 2025
Onde: Recife Expo Center (Cais Santa Rita, 156, São José)
Quando: 08/10 (apenas para convidados), 09 a 12/10 (aberto do público)
Entrada: Gratuita para Arena ART.PE e espaço de lojas; R$ 45 (inteira) e R$ 22,50 (meia) para acesso à área das galerias.