Na Expo Preta RioMar, Sandra Sá reforça orgulho negro e legado da música preta
Em show no Teatro RioMar, artista celebrou 45 anos de carreira com um repertório de resistência e mensagens de afirmação à população negra

Clique aqui e escute a matéria
O braço erguido com o punho cerrado, símbolo de resistência, solidariedade e luta, foi o gesto que marcou a entrada de Sandra Sá no palco do Teatro RioMar, na última quinta-feira (14), abrindo a programação da Expo Preta. A escolha da cantora para dar início ao evento foi certeira. Sua trajetória musical e seu engajamento em defesa da igualdade racial dialogam com os propósitos da feira, que valoriza o afroempreendedorismo e a identidade negra.
Em sua 4ª edição, a Expo Preta demonstra amadurecimento. Realizada pelo RioMar e o Instituto JCPM de Compromisso Social, este ano a feira acontece na Praça de Eventos 1, em frente à escada rolante da entrada principal, no Piso L1 do RioMar Recife. O espaço de maior circulação garante maior fluxo de visitantes e expande o potencial de vendas. O evento começou na última quinta-feira (14) e segue até este domingo (17).
No show de Sandra Sá, o teatro de 680 lugares estava lotado. O público, que começou sentado, logo se transformou em um grande baile embalado por rock, funk, soul music e samba. “Eu sabia que todo mundo ia levantar para dançar”, disse a artista, que completa 70 anos no próximo dia 27 de agosto e comemora também 45 anos de carreira. Ela abriu a festa cantando Soul de Verão (versão de Nelson Motta para 'Fame', de Michael Gore e Dean Pitchford).
Música como resistência
O repertório escolhido por Sandra foi uma declaração política e afetiva. Canções como “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, hino de resistência contra a ditadura militar, e “Olhos Coloridos”, símbolo do orgulho negro, embalaram a festa. A cada música, a cantora intercalava mensagens de estímulo à comunidade negra: “somos capazes de fazer o que quisermos”, "educação e cultura geram respeito", "vamos jogar sementes de fé na humanidade e vamos coemeçar por aqui (pelo Recife)", disse, em meio aos aplausos.
Em “Bloco na Rua”, lembrou sua própria vivência no período da ditadura. Ao cantar o verso “Durango Kid quase me pegou”, simulou a grade da prisão com os dedos e disse: “eu estava lá” (na época da repressão). Também trouxe sucessos que marcaram sua carreira como Retratos e canções; Diabo colorido; Solidão, Joga Fora, Bye Bye Tristeza, Solidão e Não vá. Trouxe, ainda, a internacional Baby Can I Hold You, de Tracy Chapman, e músicas cantadas por amigos e parceiros.
Encerrou o show com o hino do orgulho negro: “Olhos Coloridos”, transformando o teatro em um coro coletivo contra o racismo e lembrando que a miscigenação faz de todos nós negros. "Somos criolou brancos, crioulos pardos e crioulos brancos. Nossa música começa no tambor e contibua no tambor", diz fazendo referência aos donos do Brasil: os povos indigenas e aos africanos.
Afeto e humor
Sandra Sá também conquistou pela forma como interagiu com o público. Brincou com a tradutora de Libras, fez vídeos das videomakers que registravam o show, apresentou um a um os músicos da banda e agradeceu a todos os profissionais envolvidos, dos técnicos de som aos chamados “camisas-pretas”, como ela mesma nomeou, lembrando que são os primeiros a chegar e os últimos a sair.
Em quatro trocas de figurino, alternou entre vestido, camisas e gravata, transformando o palco em um espaço cênico vibrante. Entre uma música e outra, recitou poemas da esposa Simone Malafaia, com quem é casada desde 2017, e fez defesa aberta do amor livre: “o amor é uma escolha que nos fortalece”.
Até mesmo o espaço do show virou tema. Ao elogiar o teatro dentro de um shopping, comentou: “achei que ia cantar em estacionamento ou praça de alimentação. Mas ter um teatro aqui é maravilhoso. Mesmo que a pessoa não compre nada, ela vem ver uma peça, um show. Isso é muito legal”.
A Gerente de Marketing na RioMar, Denielly Halinski, disse que a escolha da cantora para abrir a 4ª Expo Preta foi simbólica. "Pensamos em vários nomes, mas Sandrá Sá tem representatividade, tem um trabalho social com a comunidade negra. Não queremos apenas uma voz, queremos alguém com propósito, com identificação com o que estamos fazendo", destaca, lembrando que a feira já trouxe outros nomes como Toni Garrido, Negra Li e Gabi Amarantos.
Celebrações
Depois do espetáculo, a cantora conversou rapidamente com o JC. Sobre atravessar gerações com sua música, foi categórica. “Quando tem verdade, quando é de verdade, a música perdura. Quantas músicas de Pixinguinha a gente canta hoje, depois de 200 anos? Música de verdade chega ao coração de todo mundo”, disse.
Ao falar da Expo Preta, destacou a importância do evento como espaço de afirmação. “É fundamental ter uma feira como essa, que mostra a força da população negra e do afroempreendedorismo. É uma injeção de autoestima”, destacou.
Com o aniversário se aproximando, a artista brincou com a ideia de festejar sem pressa.“Eu vou comemorar meus 70 anos até 26 de agosto de 2026. A gente deveria comemorar aniversário todo dia. Acordou, está vivo? Feliz aniversário, feliz ano novo, feliz tudo", brinca.
E sobre os próximos passos, disse que encara a trajetória como permanente recomeço. “São 45 anos de carreira, mas ainda tem muita coisa para acontecer, muita coisa para rolar”.
Legado
Com sua voz inconfundível e presença de palco arrebatadora, Sandra Sá transformou a abertura da Expo Preta em um manifesto de resistência, amor e celebração da identidade negra. Mais do que um show, entregou um recado que continua ecoando: a música é ferramenta de luta e afirmação.