'Quando uma mulher preta olha pra si com carinho, já é um ato político', diz Luedji Luna
Cantora baiana lançou dois álbuns em menos de um mês e inicia turnê nacional, com shows em Buíque e no Recife neste fim de semana

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A cantora Luedji Luna vem se consolidando como um dos nomes mais potentes da música brasileira contemporânea. Em 2025, a artista baiana surpreendeu ao lançar dois álbuns em menos de um mês.
Lançado em maio, "Um Mar Pra Cada Um" é um mergulho profundo nos sentimentos da cantora, que tem usado a música como ferramenta de autorreflexão sobre o amor. Seu já conhecido neo-soul aparece renovado com a mistura de efeitos, sintetizadores e instrumentos de sopro.
No mês seguinte, de forma inesperada, Luedji apresentou "Antes Que a Terra Acabe", uma espécie de oposto complementar ao disco anterior: solar, alegre e dançante, mas também atravessado por uma sensação de finitude — o primeiro single se chama "Apocalipse".
Os dois trabalhos chegam em um momento de liberdade artística. Luedji despertou atenção desde o álbum de estreia Um Corpo no Mundo (2017), marcado pela voz marcante e por uma sonoridade delicada, incluindo o sucesso "Banho de Folhas".
Em 2021, ela lançou "Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água", que uniu neo-soul, R&B e jazz de forma tão consistente que lhe garantiu uma indicação ao Grammy Latino, na categoria de "Melhor Álbum de MPB".
Turnê em Pernambuco
Agora, com os lançamentos frescos, a artista inicia uma nova turnê nacional. Em Pernambuco, se apresenta neste sábado (2), em Buíque, dentro do Festival Pernambuco Meu País, e no domingo (3), no Recife, na Concha Acústica da UFPE.
"Recife me lembra maracatu, me lembra rua, me lembra potência. Me lembra também das mulheres que conheci ali, das artistas, das mães. É uma cidade que pulsa, que ferve. E que me recebeu com tanto carinho que virou casa também", diz ao JC. Confira a seguir o pingue-pongue com a artista.
Entrevista - Luedji Luna, cantora
Neste ano, você lançou dois álbuns: "Um Mar Pra Cada Um" e "Antes Que a Terra Acabe". Como foi encarar o desafio de gravar e lançar dois trabalhos tão potentes em tão pouco tempo?
Foi intenso. Mas ao mesmo tempo, muito coerente com o que eu estava vivendo. "Um Mar Pra Cada Um" é o encerramento de um ciclo de mergulho profundo, muito interno, que começou com "Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água". Já "Antes Que a Terra Acabe" nasceu da urgência de existir fora da dor. Foi como respirar fundo depois de atravessar uma correnteza.
Em 'Um Mar Pra Cada Um', você trouxe elementos de processos terapêuticos para a música. O que te levou a fazer essa escolha? Você vê a música – tanto ao compor quanto ao ouvir – como uma forma de cuidado e cura?
Com certeza. A música me cura, sempre me curou. Mas esse disco nasceu num momento em que eu estava mais comprometida com a minha saúde emocional. Virou uma ferramenta de sobrevivência e liberdade. Levar isso pra música foi bem orgânico. Não dava pra fingir que não tava acontecendo dentro de mim. Acho que quando uma mulher preta escolhe olhar pra si com carinho, isso já é um ato político. E cantar isso também.
Você sente que só conseguiu acessar certas camadas mais íntimas de si mesma por ter escolhido ser artista?
Ser artista me permitiu habitar minhas contradições com mais liberdade. Me deu linguagem pra nomear sensações, e isso é muito potente. Mas acho que o mergulho interno também vem de ser mulher preta num país como o Brasil. A arte me deu o microfone. O que tem ali é vivência, ancestralidade, dor, mas também muita beleza. É entender que somos todos seres divinos, com desejos, lados sombrios, lados lindos e tudo faz parte do mergulho de cada um.
Um Mar Pra Cada Um encerra uma trilogia iniciada em 2020. Podemos entender Antes Que a Terra Acabe como o início de um novo ciclo na sua trajetória musical?
Sim. "Antes Que a Terra Acabe" é o sopro depois da tempestade. É mais solar, mais dançante, mais aberta ao mundo. Ainda é político, ainda é sobre mim, mas com outros tons, outras cores. Ele aponta pra uma Luedji que quer brincar mais, que quer desejar mais também.
O título 'Antes Que a Terra Acabe' remete a uma sensação de urgência. Ele nasce de um momento pessoal seu ou também se conecta a essa percepção de finitude do mundo que atravessa tanta gente hoje?
Ambos. Acho que a gente tá vivendo um tempo onde tudo parece prestes a ruir, o planeta, as relações, a saúde mental coletiva. Mas também foi uma urgência minha: de não adiar mais o prazer, o amor, o agora. Então é político e íntimo, como tudo o que faço. É um chamado pra viver o que temos pra viver, antes que a terra acabe.
Recife e Salvador têm muitos pontos em comum: presença negra marcante, história potente, cultura popular. Quando você pensa em Recife, o que vem à sua memória ou ao seu afeto?
Recife me lembra maracatu, me lembra rua, me lembra potência. Me lembra também das mulheres que conheci ali, das artistas, das mães. É uma cidade que pulsa, que ferve. E que me recebeu com tanto carinho que virou casa também. Salvador é onde me formei, Recife é onde me transformei de novo.
Queria que você contasse mais sobre o festival "Manto da Noite". Como surgiu essa ideia? E quais são seus próximos sonhos para o projeto?
O Manto nasceu do meu desejo de criar um espaço de celebração onde a música e os afetos da negritude pudessem pulsar livremente. Sempre senti falta de uma festa que unisse potência artística, cuidado curatorial e, ao mesmo tempo, um ambiente em que a gente se reconhecesse, nas batidas, nas roupas, nas conversas, nos corpos dançando. Queria mais do que uma festa e um ritual de encontro. Sobre os próximos passos, o Manto não é um evento isolado, ele é o início de uma caminhada. Quero que ele circule, que chegue a outras cidades, que dialogue com outras linguagens e crie pontes.