Do Sertão de Pernambuco, Ruby Nox brilha no maior reality show da arte drag
'Se não fosse pelo trabalho com drag, eu teria outras expectativas de vida e outra visão de mundo', diz artista integrante do 2º 'Drag Race Brasil'

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Natural de Carnaíba, um dos celeiros da cultura popular no Sertão de Pernambuco, a drag queen Ruby Nox vem tendo a oportunidade de lançar holofotes sobre a pulsante arte drag pernambucana, que resiste apesar das adversidades enfrentadas por quem está fora do eixo Rio-São Paulo.
Neste mês, a personagem de Bruno Braz, com influências burlescas, estreou como uma das participantes do Drag Race Brasil, principal reality show dedicado à arte drag no país. Ela divide a missão com Poseidon, também pernambucana e presente na atual temporada. Os episódios são lançados na Prime Video.
"Drag Race" é uma marca criada pela drag norte-americana RuPaul, que transformou o reality homônimo em um império de entretenimento, com edições realizadas em diferentes países e transmitidas por emissoras diversas.
"Conheci a arte drag em 2009, quando já morava no Recife e assisti ao 'Drag Race'. A minha grande inspiração foi a Raven, participante da segunda temporada. Comecei a fazer drag quando estudava na UFRPE, que foi o motivo da minha vinda para a capital", conta Ruby ao JC.
Primeiros passos
Ruby estreou como drag na antiga boate MKB, que funcionou entre 2000 e 2018 no bairro da Soledade, no Centro do Recife. "Meu estilo era incompreendido. Naquela época, em 2013, só existiam três tipos de drag reconhecidas: a caricata, a fina e a que bate cabelo. Eu ficava em um limbo entre elas. As pessoas achavam meu estilo muito americano", relembra.
Após participar de uma batalha de dublagem (o chamado lip sync battle) na festa Tropical Absurdo, no Club Metrópole, Ruby passou a alcançar novos espaços na cena local.
"Em 2015, vivemos um 'boom' drag no Recife por causa do reality da RuPaul. Tínhamos de 40 a 50 drags se apresentando em festas. Foi aí que as coisas começaram a acontecer para mim", lembra.
Em 2018, venceu o Trop Drag, o concurso mais prestigiado da cena pernambucana. "Acredito que, a partir desse momento, as pessoas começaram a perceber que algo havia mudado", diz.
"A estética do concurso, antes de eu vencer, era diferente. Eu trouxe algo burlesco, fazendo música lenta, com inspiração francesa, uso de tecido acrobático e referências ao circo. Isso mudou algumas percepções."
Autoconhecimento
A experiência com a personagem também levou Bruno a compreender melhor as nuances da sua identidade de gênero — hoje, ele se reconhece como uma pessoa não binária.
"Ruby não era apenas uma persona cênica, ela faz parte de mim também. Claro que não sou necessariamente ela, mas ela está ali o tempo todo. Fora do palco, existem diferenças. Se não fosse pelo trabalho com a drag, eu com certeza teria outras expectativas de vida e outra visão de mundo."
Durante as gravações do Drag Race Brasil, a artista voltou a Carnaíba para filmagens ao lado da família. "Passei cinco anos fazendo drag escondido. Houve um impacto inicial, mas minha mãe já foi me ver no teatro e viu que era mais do que ela imaginava. Não era apenas aquela arte marginalizada", conta.
"Em Carnaíba, gravei montada. Pela primeira vez todos me viram, inclusive minha avó. Me deu medo no início, mas fui indo. O material produzido para a temporada vai emocionar muita gente, pois não é só sobre mim — é sobre muitos de nós, LGBTs", afirma.
Visibilidade e futuro
Ao comentar o papel do Drag Race Brasil na valorização da arte drag nacional, Ruby Nox pondera: "Quem é fã do reality nem sempre é fã de drag".
"Existem drags que não se encaixam no padrão do programa, mas são maravilhosas e seguem criando. Ainda assim, acredito que há uma possibilidade real de mudança. Esse tipo de visibilidade ajuda muito a gente com oportunidades, faz com que mais pessoas enxerguem o nosso trabalho", diz.
"Mas espero que só melhore. Hoje, as drags acessam espaços que não existiam em 2009, como o mercado da música, a comunicação e até a política", conclui.