Raimundo Carrero reabre ferida da culpa por tragédia familiar em 'A Vida é Traição'
Com oitenta páginas, novela acompanha homem com culpa pela morte da mãe: 'Tema que sempre quis tratar e que me atormentou muito', diz autor

Quando criança, o escritor Raimundo Carrero ouviu, logo após o falecimento de sua mãe, vítima de leucemia, a seguinte frase: "Eu sabia que esse menino ia terminar matando a mãe." A fala partiu de uma empregada doméstica. "Guardei isso como um castigo durante a vida toda", confessa o autor ao JC.
De alguma forma, o tema retorna à sua obra no novo livro, "A Vida é Traição" (Editora Record, 80 páginas, R$ 54,90), em que esse episódio autobiográfico é relatado já na introdução. "Esse foi um tema que sempre quis tratar e que me atormentou muito", afirma o escritor.
O enredo, contudo, não é biográfico. A novela narra os conflitos internos de Solano, um homem que deseja a morte da própria mãe, em uma narrativa intensa sobre perdas e memórias. Ao longo da trama, ele é submetido a duros sofrimentos para confessar que matou a mãe.
Dessa forma, o livro dialoga com o conjunto de uma obra que sempre investigou os meandros da psique humana e as complexidades das relações sociais.
Lançamento
O lançamento está marcado para esta quinta-feira (3), às 17h, na Livraria Jaqueira do Paço Alfândega, no Bairro do Recife.
"Há cerca de cinco ou dez anos, meu filho Diego veio até mim com um discurso semelhante, dizendo que se sentia culpado pela morte da mãe. Eu lhe disse que não precisava se preocupar, pois sempre ajudamos muito ela. Esses dois fatos, separados por cinquenta anos, provocaram a eclosão de um tema tão grave como este", prossegue o autor.
Novela em oitenta páginas
"A Vida é Traição" foi escrito em nove meses, somando apenas 80 páginas. O tamanho enxuto era um desejo antigo de Carrero, que acredita ter dito tudo o que precisava.
"Pode parecer uma experiência maluca escrever um livro tão curto, mas tenho essa vontade desde a adolescência, sobretudo em relação a temas que outros autores exploram em obras extensas. É algo que não exige tanto do leitor, pois não representa uma grande carga de informação", conta o escritor.
Para evitar que a obra se tornasse excessivamente pesada, Carrero recorre à ironia na voz de seu personagem. "A ironia é essencial nesses casos. O excesso de tragédia pode provocar desconforto no leitor, como um traço vertical que chega a anular a força da própria tragédia", diz.
"A ironia não destrói a tragédia, mas amplia sua dimensão. Nesse tipo de obra podemos explorar a face mais cruel da condição humana. Contudo, nós, humanos, sorrimos. O homem é o único animal capaz de sorrir."
"Reflexão sobre a condição humana"
A obra também renova a convicção do autor de que a principal missão do escritor é zelar pela humanidade. “É uma reflexão sobre a condição humana”, define.
"Sigo sempre uma lição que Ariano [Suassuna] me ensinou: todo escritor, independentemente da área em que atue, tem a missão de zelar pela humanidade. Nesse sentido, faço uma reflexão sobre o ser humano que despertou em mim esse zelo. É um tipo de manifestação que só nós, humanos, possuímos: a capacidade de refletir", diz Carrero.
Sobre o autor
Raimundo Carrero é amplamente reconhecido no cenário literário brasileiro. Venceu o Prêmio Jabuti em 2000, na categoria Conto, com a obra "As Sombras Ruínas da Alma".
Ele próprio define sua escrita como "armorial urbano", expressão que revela a influência do Movimento Armorial, liderado por Ariano Suassuna — de quem foi grande amigo e com quem conviveu intensamente.
Além das complexidades das relações sociais, sua obra traz à tona reflexões políticas, gestadas em tempos de ditadura militar ou no período em que o Brasil enfrentou hiperinflação e o impacto do Plano Collor, mostram-se, hoje, mais afiadas do que nunca.
SERVIÇO
Lançamento do livro A Vida é Traição, de Raimundo Carrero (Editora Record)
Quando: 3 de julho (quinta-feira), às 17h
Onde: Livraria Jaqueira do Paço Alfândega (Rua Madre de Deus, 110, Bairro do Recife)
Preço: R$ 54,90