"Quando crio uma personagem, celebro as mulheres da minha vida", diz Hermila Guedes, de ‘Homem com H’
Em entrevista ao JC, a atriz refletiu sobre o momento atual da carreira e experiências recentes, incluindo 'O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho

Uma das atrizes mais consistentes do cinema e da televisão brasileira, Hermila Guedes iniciou sua trajetória artística quase em paralelo à retomada do cinema pernambucano. Desde então, construiu uma carreira marcada por personagens intensas, tanto nas telonas quanto nas séries de streaming e na TV aberta.
Nos últimos dez anos, brilhou em produções de grande repercussão, como "Assédio" e "Segunda Chamada" (TV Globo), "Irmandade" (Netflix) e "Cangaço Novo" (Prime Video).
Recentemente, deu vida à mãe de Ney Matogrosso em "Homem com H", de Esmir Filho, sucesso que levou 600 mil espectadores aos cinemas e figura entre os títulos mais assistidos da Netflix no Brasil - protagonizado pelo também pernambucano Jesuíta Barbosa.


Hermila também integra o elenco de "O Agente Secreto", aguardado longa de Kleber Mendonça Filho, duplamente premiado no Festival de Cannes. E já tem outra produção no horizonte: a nova adaptação para o cinema de "Toda nudez será castigada", dirigida por Daniel Filho.
Em entrevista ao JC, a atriz refletiu sobre o momento atual da carreira e suas experiências recentes: "Eu acho que, na verdade, minhas personagens me ofereceram muito mais do que eu a elas."
Entrevista - Hermila Guedes
Como avalia o atual momento de sua carreira?
Melhor fase não há. Eu continuo trabalhando e, ao mesmo tempo, celebrando frutos, projetos muito especiais que têm ganhado grande repercussão na cena do audiovisual brasileiro. Estou seguindo rumo aos meus 30 anos de carreira, muito feliz e orgulhosa da minha trajetória como atriz. Pensando lá atrás, no "Céu de Suely", acredito que esse filme me abriu muitas portas, porque sempre trabalhei com dedicação e muito respeito ao meu ofício. E acredito que seja por causa dele.
Presente no cinema pernambucano desde o início dos anos 2000, quais mudanças mais significativas você observa no setor?
Eu comecei minha carreira praticamente junto com a retomada do cinema pernambucano. Vejo um cinema sempre muito forte, com muita identidade, e me sinto honrada de que a minha trajetória esteja ligada à do cinema pernambucano, que tem sido cada vez mais respeitado e reconhecido pela força que possui. Sinto-me muito honrada mesmo de ter sido cria desse cinema, de ter trabalhado com tantos diretores pernambucanos, que na verdade foram a minha escola no fazer cinema e na arte que pratico. Vejo mudanças muito importantes para o cinema pernambucano, sim.
Quais critérios costumam pesar na sua decisão ao aceitar um novo trabalho?
o primeiro e único critério que levo em conta na hora de escolher um trabalho é que eu preciso me apaixonar pela personagem. Preciso acreditar que eu, como ser humano, tenho algo a oferecer àquela figura que vou interpretar. A gente precisa se complementar, porque é sempre uma troca. Ao mesmo tempo, acredito que ela também possa me oferecer muito, porque minhas personagens sempre me trazem algo novo. Eu nunca saio de um trabalho sem ser afetada pelo que vivi. Na verdade, acho que elas me ofereceram muito mais do que eu a elas.
"Homem com H atraiu um grande público aos cinemas. Como foi integrar esse projeto e acompanhar sua repercussão?
Desde o começo do projeto com o Esmir (Filho), fiz pesquisas sobre a mãe do Ney, sobre a Beita (de Souza Pereira), sobre como era a relação dela com o marido, com o filho. Mas o Esmir sempre me deixou muito à vontade para colaborar e agregar, sem necessariamente fazer uma imitação de uma pessoa real, mas trazendo o meu olhar para a personagem. Acho que isso deu muito certo, porque, de certa forma, me deixou menos ansiosa na construção da personagem, que é diferente do papel do Jesuíta.
Acredito que essa liberdade de construir essa mulher do jeito que eu enxergava foi fundamental. Sempre sinto que, toda vez que crio uma personagem, celebro as mulheres da minha vida. Então, acredito que a Beita é uma mulher que eu já tenha conhecido, visto ou que tenha passado pela minha vida. Por isso, a direção do Esmir, que me deu essa liberdade, junto com o que entendi da personagem, fez com que ela acontecesse dessa forma.
Como foi participar de "O Agente Secreto" e o que o público pode esperar de sua personagem?
Quando comecei minha carreira, o Kleber Mendonça ainda não era diretor de cinema, ele era crítico. Depois, quando se tornou diretor de cinema pernambucano, acompanhei todo o trabalho e a trajetória dele, sou fã dos filmes que ele faz e sempre desejei trabalhar com ele. Era um sonho meu, como atriz, poder ingressar no seu cinema, ver como ele filmava, entender seu modo de fazer cinema — e finalmente aconteceu com Agente Secreto. Estou muito feliz pela personagem Cláudia.
Fiquei extremamente grata por essa oportunidade de vê-lo dirigir com tanta elegância. O set dele é silencioso, elegante, e cria um ambiente que coloca os atores num lugar onde eles têm recursos para construir suas cenas. Por exemplo, a minha personagem, que faz parte de um momento da vida do protagonista do filme, é uma refugiada. Essas pessoas estão tentando sobreviver, precisam apagar o passado e nem sabem se haverá futuro. O que elas têm é apenas o presente. E foi justamente essa a abordagem dele no set. Ele montou o cenário, colocou os atores em cena e disse: “Agora conte a sua história. Conte a história de Cláudia.”
Ele me fez perceber que o ator precisa estar inteiro no presente, e que a minha personagem precisava apenas desse instante. E foi isso que aconteceu. Espero que o público que veja o filme se apaixone pela Cláudia, pela paixão que ela tem pela vida, e que reverencie toda a força do cinema do Kleber. Acho genial essa capacidade que ele tem de trazer sentimentos nossos, sentimentos do Recife, e mostrá-los para o mundo - e as pessoas compreendem esse cinema. Acho o trabalho dele realmente genial.