Uma das estreias da retomada das atividades no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco é o documentário Mulher, dirigido pela dupla Anastasia Mikova e Yann Arthus-Bernard. Ancorado na força do relato, das palavras e dos rostos, o filme busca destacar o quão nuançada é a experiência de ser mulher ao redor do mundo e o faz pelo volume. Das banalidades às tragédias, essas vivências vão sendo apresentadas e parecem nunca estabelecer uma relação comparativa entre si, mas de complementaridade. E, por mais que essa estrutura mais travada de pessoas falando para a câmera encontre limitações no filme, a força das palavras consegue resistir.
O documentário se ancora em entrevistas dadas por 2 mil mulheres de 50 países. Elas não são apresentadas e nem são explicitados os lugares de onde vêm. Bastam suas feições, seus olhares e suas palavras, trazendo breves depoimentos sobre algum recorte específico da experiência de ser mulher. Algumas falam sobre adolescência, o surgimento de olhares de sexualização para si e a própria descoberta da sexualidade. Outras falam sobre os obstáculos da vida profissional, construção de autoestima e pressões estéticas. Assim como também há os relatos mais densos de violências domésticas, mutilação genital e abusos sexuais.
Trata-se de um mosaico de vivências que ganha sua energia na vastidão de seu material, mas que também perde um pouco dela por esse mesmo motivo. Em seus primeiros minutos, o trabalho não consegue fugir muito de uma abordagem que ora soa muito institucional, às vezes parecendo muito uma campanha publicitária de alguma marca de cosméticos progressista.
Mas com o caminhar das coisas, vai se construindo um equilíbrio muito efetivo com a chegada de relatos mais pungentes. Com a pujança de material, essas camadas com diferentes níveis de trivialidade e densidade vão dando vida e capacidade de impacto ao projeto.
Até mesmo as breves imagens mais ilustrativas de apoio parecem se soltar das amarras mais engessadas que soam como uma campanha institucional. Retratos de diferentes mulheres olhando para a câmera em diferentes espaços, que poderiam ter sido retiradas de um banco de imagens, são trocadas por manifestações mais vivas e menos artificiais da experiência cotidiana. Mas a palavra continua sendo a grande protagonista e ela é bem articulada para dar a dimensão das vivências que quer dá conta.