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MPPE apura falhas na custódia de armas apreendidas pela polícia em Pernambuco

Relatos de policiais civis, durante vistoria, indicam que armas e munições ficam guardadas em contêineres com cadeados e sem vigilância 24h, no Core

Por Raphael Guerra Publicado em 23/10/2025 às 10:03 | Atualizado em 23/10/2025 às 20:19

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Prestes a completar cinco anos da descoberta do furto de mais de 1,1 mil armas de fogo da antiga sede do Comando de Operações e Recursos Especiais (Core), na área central do Recife, policiais civis fizeram um alerta ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) sobre a falta de segurança na custódia desses materiais no atual espaço onde são armazenados, em Olinda. O caso está sendo apurado, mas oficialmente a Polícia Civil nega qualquer descaso. 

Os relatos foram repassados por policiais civis a uma equipe do MPPE durante vistoria realizada no Complexo de Operações da Polícia Civil, no bairro de Ouro Preto, na semana passada. Eles contaram que há um excesso de armas de fogo e munições apreendidas e que elas ficam guardadas em contêineres com apenas cadeados, sem vigilância 24 horas, numa área de mata.  

Diante da gravidade do caso, o Centro de Apoio Operacional (CAO) de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial do MPPE decidiu instaurar um procedimento para apurar as falhas na custódia das armas. Em nota, também disse que, semestralmente, "o Core está no rol das unidades com previsão de inspeções".

Mais de 4,5 mil armas foram apreendidas pelas polícias Civil e Militar no Estado somente entre janeiro e setembro deste ano. 

Questionada pela coluna, a assessoria da Polícia Civil de Pernambuco informou que o Core "adota rígidos protocolos de segurança e controle em sua armaria, seguindo padrões técnicos e estratégicos compatíveis com as atribuições da unidade".

"É importante ressaltar que informações referentes a armas de fogo são classificadas como sensíveis e sigilosas, conforme definição da Agência Central de Inteligência do Estado, com base na Lei Federal de Acesso à Informação", disse o texto.

VÍDEO EM 2022 DENUNCIOU SITUAÇÃO PRECÁRIA

CORTESIA
Vídeo gravado por policial civil mostrou espaço precário onde armas estavam guardadas em 2022 - CORTESIA

Em maio de 2022, a coluna Segurança revelou um vídeo gravado por um policial civil do Core, já na atual sede de Olinda, mostrando que as armas de fogo apreendidas estavam sendo guardadas em um contêiner improvisado e precário, com prateleiras prestes a cair.

"Essa prateleira todinha está caindo. O que está segurando é a porta. Tá muito arriscado. Tá caindo mesmo", disse o policial, em vídeo repassado às autoridades policiais na época. 

O policial citou, por exemplo, que "os armamentos são pesados e a capacidade de suporte de algumas das estruturas feitas em madeira é baixa". E que "estas estruturas não passam por manutenção". 

Na época, a Polícia Civil argumentou que, durante o transporte de um espaço para outro, houve dano em um contêiner, mas que a situação havia sido resolvida. 

DEMORA NA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA DESTRUIÇÃO DE ARMAS

Policiais civis ouvidos em reserva pela coluna reclamaram da demora da Justiça para determinar a destruição de armas de fogo apreendidas. Eles contaram que, em depósito, há materiais com mais de dez anos aguardando a decisão judicial.

"Há armas apreendidas em 2011 ainda aguardando um destino", citou uma fonte policial. 

Em entrevista à Rádio Jornal, na segunda-feira (20), o delegado-geral da Polícia Civil, Renato Rocha, foi questionado sobre o assunto. Ele explicou que parte das armas de fogo apreendidas são revertidas para as forças de segurança do Estado, com autorização judicial.

"Mas a grande maioria seguem para destruição. Como cada caso depende de autorização judicial, a gente tem um depósito que guarda todo esse armamento. O processo de destruição é contínuo, mas a partir da autorização judicial", disse. 

Sobre o tempo de espera para destruição, Rocha afirmou que o pedido é feito logo após o envio do inquérito policial. Segundo ele, a Justiça leva uma média de oito a 12 meses para a autorização. "A gente tem uma quantidade razoável de armas em depósito aguardando a destruição."

FURTO DE ARMAS SEM PUNIÇÃO

O sumiço das armas de fogo e munições da antiga sede do Core foi descoberto por um comissário da Polícia Civil, responsável pela manutenção e conserto delas, em 5 de janeiro de 2021, após ele voltar de férias. Na ocasião, um inquérito foi instaurado e uma auditoria foi realizada pra identificar o número exato do desvio.

A perícia não encontrou sinais de arrombamento no depósito onde os materiais estavam guardados. Mas não havia câmeras na área interna. Havia apenas uma do lado de fora, apontada para a porta de entrada, mas sem funcionar 24 horas por dia.

Entre as armas desviadas, uma parte pertencia à Guarda Municipal de Ipojuca, no Grande Recife. Elas estavam guardadas na Core enquanto os profissionais passavam por treinamento. As pistolas haviam sido doadas pela Polícia Rodoviária Federal.

WILDERSON PIMENTEL/SECOM IPOJUCA
Pistolas doadas pela Polícia Rodoviária federal para a Prefeitura de Ipojuca também foram desviadas da Core - WILDERSON PIMENTEL/SECOM IPOJUCA

Interceptações telefônicas apontaram que armas desviadas foram comercializadas para facções criminosas por valores entre R$ 6,3 mil a 6,5 mil, cada uma. Já as submetralhadoras custavam R$ 22 mil.

A investigação identificou 20 acusados, incluindo cinco policiais civis que eram lotados na unidade especializada. Na época, todos foram presos. Em novembro de 2022, a Justiça concedeu a liberdade provisória para os policiais. Um deles faleceu menos de um mês após ser preso, em 2021.

Em depoimento à polícia, um detento revelou que, anos antes, havia se dirigido à Core para comprar munições destinadas a uma facção criminosa - confirmando que a prática ilegal não era recente na unidade policial.

Os réus respondem por crimes como organização criminosa, comércio ilegal de armas de fogo, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

Até hoje, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) não concluiu o processo administrativo disciplinar em desfavor dos policiais. A Justiça também não publicou a sentença, cujo processo corre em sigilo. 

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