Compatibilidade rara, esperança real: a importância da doação de medula óssea
Procedimento seguro e essencial para pacientes com doenças graves do sangue, a doação ainda é cercada de dúvidas e precisa de mais voluntários
Clique aqui e escute a matéria
A medula óssea, invisível aos olhos e alojada silenciosamente dentro dos ossos longos, guarda um trabalho que sustenta a vida.
É ali, num tecido líquido e discreto, que nascem as células que carregam oxigênio, defendem o corpo e evitam sangramentos. Quando esse mecanismo falha, a cura pode depender de um gesto de generosidade pura: a doação de medula.
Anualmente, a segunda semana de dezembro é dedicada à mobilização nacional para doação de medula óssea, buscando ampliar o número de voluntários cadastrados no registro nacional de doadores de medula óssea (Redome) e conscientizar a população sobre a importância do transplante para pacientes com doenças graves do sangue.
Ao longo desses dias, hemocentros de todo o País intensificam ações educativas, palestras e campanhas de incentivo, reforçando que cada novo cadastro aumenta significativamente as chances de encontrar compatibilidade e salvar vidas.
Em Pernambuco, esse gesto começa na Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope) e pode terminar em um transplante realizado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) ou no Real Hospital Português (RHP).
O que é a medula óssea e por que algumas doenças exigem transplante
A médica hematologista Mariana Cahu, responsável pelo setor de transplante de medula óssea do Imip, explica: “A medula é um órgão que fica situado dentro dos ossos longos do corpo. É um órgão líquido, e é na medula óssea que serão produzidas todas as células do sangue”.
Ali, surgem três séries essenciais: hemácias, leucócitos e plaquetas. Quando doenças graves atingem justamente as células-tronco (as "células-mãe", como define a médica) a produção se desorganiza e o transplante se torna a única saída.
Entre as principais doenças com indicação estão:
- Leucemias agudas
- Linfomas de Hodgkin e não Hodgkin
- Anemia aplástica severa
- Mieloma múltiplo
- Hemoglobinopatias, como talassemia e anemia falciforme
Quando a compatibilidade é tão difícil?
O encontro entre doador e paciente depende do sistema HLA, que funciona como uma “impressão digital genética”.
“O paciente precisa ser compatível com o seu doador nesse sistema HLA. É por isso que é difícil encontrar um doador fora da família”, explica a médica.
As chances de encontrar um irmão de mesmo pai e mesma mãe compatível são de 25%. Quando parentes não são compatíveis, inicia-se a busca no Redome, o registro nacional de doadores voluntários de medula óssea. Fora da família, estima-se que a compatibilidade seja de 1 em cada 100 mil.
Mitos e medos: o que ainda afasta doadores
O maior obstáculo, segundo Mariana Cahu, é a desinformação. “O pessoal tem muito medo da doação por desconhecer. Ouviu falar que vai ter que se submeter a uma cirurgia e que pode morrer. Esse é o maior medo”.
Há duas formas de doar:
Por aférese, o doador recebe medicamentos por alguns dias para estimular a liberação de células-tronco na corrente sanguínea. Depois, o sangue é coletado por um equipamento que separa essas células e devolve o restante ao corpo, em um procedimento semelhante à diálise. Neste caso, o doador pode ir para casa no mesmo dia.
Já por punção direta, a coleta é feita no centro cirúrgico, sob anestesia, com agulhas inseridas nos ossos da bacia para retirar a medula. É um método rápido, seguro e indicado em casos específicos, conforme a necessidade do paciente. É necessário que o doador fique internado por 24 horas para monitoramento pós-anestesia.
“Depois disso, vida normal”, reforça a médica.
Como se cadastrar no Hemope
O cadastro é simples. Para isso, é necessário:
- Apresentar documento com foto e CPF;
- Ter entre 18 e 35 anos;
- Assistir a uma palestra de orientação;
- Coletar uma pequena amostra de sangue para exame de HLA.
“Quanto mais pessoas se cadastram, maiores são as possibilidades de oferecer uma nova chance de vida a quem espera por um transplante”, destaca Josiete Tavares, coordenadora do cadastro de doadores no Hemope.
O voluntário pode ser chamado a qualquer momento — e manter os dados atualizados é essencial, como lembra a médica: “Às vezes encontramos um doador, mas não conseguimos contato. É muito frustrante para o paciente”.
Um gesto que salva vidas
Para quem ainda hesita em se cadastrar, Cahu resume o sentido da doação. “É melhor a gente se colocar na pele do outro. Pode até ser que doa um pouquinho depois, mas é uma semana. E a gente está devolvendo a vida a uma pessoa”.
Em Pernambuco, onde a demanda é crescente e a diversidade genética é ampla, cada novo voluntário amplia as chances de cura. A doação de medula óssea é, sobretudo, uma possibilidade de recomeço.