Ultraprocessados afetam crescimento, saúde mental e aumentam risco de doenças, alerta Unicef

Revisão global aponta que ultraprocessados prejudicam a saúde infantil, elevam risco de obesidade e podem impactar desenvolvimento e bem-estar mental

Por Maria Clara Trajano Publicado em 04/12/2025 às 17:50

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O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou uma revisão global inédita reunindo as evidências científicas mais recentes sobre os impactos dos alimentos ultraprocessados na infância e na adolescência.

O documento, apresentado durante evento na Fiocruz, em Brasília, aprofunda análises já destacadas pela série especial da revista The Lancet, mostrando que esses produtos afetam não apenas o peso corporal, mas múltiplas dimensões da saúde infantil, incluindo metabolismo, crescimento, microbiota intestinal e até saúde mental.

Produzida por especialistas de instituições como Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Sidney e Instituto Nacional de Saúde Pública do México, a revisão mostra um panorama preocupante: quanto mais cedo começa o consumo de ultraprocessados, maiores são os riscos acumulados ao longo da vida.

Impactos diretos na saúde infantil

A revisão reforça que crianças e adolescentes são mais vulneráveis porque estão em fase de desenvolvimento acelerado. Alimentos ultraprocessados — ricos em açúcares, aditivos e gorduras modificadas — acabam substituindo refeições tradicionais e prejudicam a oferta de nutrientes essenciais.

Entre os impactos mais documentados estão:

  • Aumento de sobrepeso e obesidade, já observado em países de baixa, média e alta renda;
  • Desequilíbrios metabólicos, que elevam o risco de diabetes tipo 2 na vida adulta;
  • Danos à saúde bucal, como cáries e erosão dentária.

Mas o documento destaca também evidências emergentes que associam o consumo frequente desses produtos a anemia, atraso no crescimento e alterações comportamentais, incluindo maior prevalência de ansiedade e sintomas depressivos.

Outro ponto sensível é a influência dos aditivos alimentares na microbiota intestinal, que desempenha papel chave no sistema imunológico. Pesquisas apontam que emulsificantes e adoçantes artificiais podem desregular esse equilíbrio, com potenciais efeitos de longo prazo.

Brasil: consumo elevado e ambiente alimentar hostil

O relatório lembra que, pela primeira vez na história, a obesidade superou a desnutrição entre crianças e adolescentes em nível global. No Brasil, essa inversão aconteceu antes dos anos 2000. Entre jovens de 5 a 19 anos, a taxa de obesidade triplicou entre 2000 e 2022; o sobrepeso dobrou.

O ambiente alimentar brasileiro, marcado por forte presença de ultraprocessados em escolas, mercados e mídia, favorece escolhas menos saudáveis, especialmente nas camadas mais jovens da população.

O que são ultraprocessados

A revisão retoma a classificação NOVA, usada mundialmente para identificar o grau de processamento de alimentos.

A classificação divide os alimentos em quatro grupos com base no grau de processamento para orientar o consumo saudável.

Os quatro grupos são:

  1. In natura ou minimamente processados (ex: frutas, arroz);
  2. Ingredientes culinários processados (ex: óleos, sal, açúcar);
  3. Alimentos processados (ex: pão, queijo);
  4. Produtos ultraprocessados (ex: salgadinhos, refrigerantes, biscoitos recheados).

Produtos ultraprocessados são formulações industriais com pouca ou nenhuma presença de ingredientes in natura. Entre os mais comuns estão:

  • Refrigerantes e bebidas açucaradas;
  • Biscoitos recheados, snacks e cereais matinais adoçados;
  • Embutidos, macarrão instantâneo, sorvetes e produtos direcionados ao público infantil.

Apesar de muitas vezes se apresentarem como práticos ou atrativos, esses produtos não substituem alimentos frescos na oferta de nutrientes essenciais.

Mudanças urgentes nos ambientes alimentares

O Unicef reforça que escolhas individuais não são suficientes para enfrentar o cenário atual. É preciso transformar o ambiente alimentar para que opções saudáveis sejam acessíveis e protegidas da influência da publicidade.

A organização destaca prioridades como:

  • Restringir a venda e a publicidade de ultraprocessados em escolas, fortalecendo projetos como o PL 4.501/2020;
  • Implementar políticas fiscais, como imposto seletivo sobre bebidas açucaradas;
  • Ampliar e aprimorar a rotulagem frontal, facilitando a identificação de produtos com excesso de açúcar, sódio e gorduras.

Além disso, o Unicef defende a valorização das refeições tradicionais, o incentivo ao consumo de alimentos in natura e o investimento em educação nutricional contínua.

Um alerta para orientar políticas públicas

Ao sintetizar estudos de diferentes regiões do mundo, a revisão global oferece material atualizado para gestores, profissionais de saúde, educadores e famílias. O representante do Unicef no Brasil, Joaquin Gonzalez-Aleman, reforça que proteger crianças exige ação integrada:

“Se os adultos já sofrem com esse ambiente alimentar, as crianças e adolescentes são ainda mais vulneráveis. Esperamos que essa revisão oriente políticas públicas mais protetivas para as novas gerações”.

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