Pela primeira vez, obesidade supera desnutrição globalmente entre crianças e adolescentes

Relatório do Unicef aponta que 1 em cada 10 jovens vive com obesidade no mundo; no Brasil, índice triplicou desde 2000

Por Maria Clara Trajano Publicado em 11/09/2025 às 14:40

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Pela primeira vez na história, a obesidade infantil superou a desnutrição como a forma mais prevalente de má nutrição no mundo. O alerta está no novo relatório do Unicef, divulgado nesta quarta-feira (10), que estima que 188 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar (1 em cada 10) vivem com obesidade em 2025.

O cenário acende um sinal de alerta para o futuro da saúde global, já que a condição está diretamente ligada ao risco de doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão, problemas cardiovasculares e até alguns tipos de câncer.

Queda na desnutrição, avanço da obesidade

O estudo “Alimentando o lucro: como os ambientes alimentares estão falhando com as crianças” reúne dados de mais de 190 países e mostra que, enquanto a desnutrição entre jovens de 5 a 19 anos caiu de quase 13% em 2000 para 9,2% em 2025, a obesidade saltou de 3% para 9,4% no mesmo período.

A tendência se repete em todas as regiões do planeta, com exceção da África Subsaariana e do Sul da Ásia, onde a desnutrição ainda prevalece.

Em alguns países do Pacífico, a situação já é considerada crítica: 38% dos jovens em Niue, 37% nas Ilhas Cook e 33% em Nauru vivem com obesidade.

Na América Latina, o Chile aparece entre os países mais afetados, com 27% dos adolescentes acima do peso considerado saudável. Entre as nações de alta renda, Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos também preocupam, ambos com 21% de prevalência.

O cenário brasileiro

No Brasil, a obesidade infantil já superava a desnutrição antes mesmo dos anos 2000, mas a curva continua ascendente.

Em 2000, apenas 5% das crianças e adolescentes de 5 a 19 anos tinham obesidade; em 2022, esse número triplicou, chegando a 15%.

O sobrepeso também dobrou nesse período: passou de 18% para 36%. Já a desnutrição aguda (caracterizada pelo baixo peso para a altura) caiu de 4% para 3%.

Ou seja, a principal preocupação atual não está mais na fome visível, mas sim nos efeitos da má qualidade alimentar e da oferta crescente de ultraprocessados.

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Marketing agressivo e ambientes alimentares nocivos

O relatório reforça que os alimentos ultraprocessados — ricos em açúcar, gordura, sal e aditivos — são hoje os grandes responsáveis pela epidemia de obesidade infantil.

Mais do que escolhas individuais, o problema está no ambiente alimentar, moldado por publicidade direcionada, baixo custo e ampla disponibilidade desses produtos.

Uma pesquisa realizada pelo Unicef em 2024 com 64 mil jovens de 13 a 24 anos, em 170 países, revelou que 75% viram anúncios de refrigerantes, fast foods ou snacks na semana anterior e 60% relataram aumento da vontade de consumir os produtos.

“Não estamos mais falando apenas de crianças com baixo peso. A obesidade é hoje uma preocupação global urgente, que ameaça o desenvolvimento físico, cognitivo e mental de milhões de jovens”, afirma Catherine Russell, diretora-executiva do Unicef.

Impacto econômico

Além das consequências para a saúde, a obesidade infantil traz impactos financeiros expressivos. Estima-se que, até 2035, o custo global do sobrepeso e da obesidade ultrapasse US$ 4 trilhões por ano.

No Peru, por exemplo, apenas os efeitos econômicos da obesidade podem superar US$ 210 bilhões ao longo da vida dos pacientes.

Exemplos de políticas públicas

Alguns países já implementaram medidas para enfrentar o problema. O México, onde bebidas açucaradas e ultraprocessados representam 40% das calorias consumidas por crianças, proibiu a venda e distribuição desses produtos em escolas públicas, alcançando mais de 34 milhões de estudantes.

O Brasil também é citado positivamente no relatório. Entre as iniciativas destacadas estão a restrição progressiva de ultraprocessados no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a adoção da rotulagem frontal de advertência e a proibição das gorduras trans em alimentos industrializados.

Caminhos para reverter o cenário

O Unicef defende a adoção de medidas urgentes e integradas, que incluem:

  • Restringir a publicidade de ultraprocessados voltada para crianças e adolescentes;
  • Proibir a venda de fast food e refrigerantes em escolas;
  • Implementar impostos sobre bebidas açucaradas e subsídios para alimentos frescos e saudáveis;
  • Ampliar programas de proteção social, garantindo acesso financeiro a alimentação adequada;
  • Fortalecer campanhas de conscientização, empoderando famílias e comunidades para exigir ambientes mais saudáveis.

“Alimentos nutritivos devem estar disponíveis e acessíveis a todas as crianças, em qualquer lugar. A obesidade infantil não é apenas um problema de saúde individual, mas um desafio coletivo que exige políticas firmes e ambientes alimentares mais justos”, reforça Catherine Russell.

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