O olhar que ligou os pontos é homenageado: Carlos Brito, o primeiro a alertar sobre zika e microcefalia, recebe reconhecimento merecido
Dez anos depois, o médico e pesquisador pernambucano é reconhecido, no MedTrop 2025, por ter levantado a hipótese entre zika e microcefalia
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A notícia de que o médico e pesquisador Carlos Brito foi homenageado no 60º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop 2025), em João Pessoa, me encheu de emoção. O evento, que terminou nesta quarta-feira (5), fez uma homenagem mais do que justa a um médico que, com sensibilidade e coragem, foi o primeiro a enxergar o que ninguém via: o elo entre o vírus zika e os casos de microcefalia que começavam inquietar famílias e profissionais da saúde, no Recife, em 2015.
Quando soube da homenagem, voltei imediatamente àquele tempo. Nunca esquecerei o dia 23 de outubro de 2015. Eu ainda não sabia, mas aquela tarde/noite marcaria um ponto de virada na história da saúde pública do Brasil - e, de alguma forma, na minha trajetória como repórter de saúde [clique aqui para ler artigo que escrevi sobre o assunto em livro do Ministério da Saúde - páginas 51 a 54].
Naquela data, apurei o que poderia estar por trás do aumento do número de recém-nascidos com microcefalia. No dia seguinte, publiquei neste Jornal do Commercio a reportagem 'Força-tarefa investiga microcefalia em Pernambuco'. Foi a primeira vez que o nome do zika apareceu associado ao aumento inesperado de casos de microcefalia.
A informação, dada por Carlos Brito, ainda era uma hipótese, mas acendeu o alerta que levou Pernambuco a formar, em poucos dias, uma força-tarefa para investigar o surto. Eu passei uns 15 dias sozinha naquela cobertura e tentava juntar as peças de um quebra-cabeça que ninguém ainda sabia montar.
Lembro claramente da primeira conversa com Carlos Brito sobre o assunto. Foi ele quem, com a serenidade e a lucidez que sempre o caracterizaram, me disse pela primeira vez: "Cinthya, pode haver uma relação entre esses casos e o vírus zika". Aquilo me atravessou. O zika ainda era um nome quase desconhecido por aqui; era um vírus que parecia ser discreto e que, de repente, tornava-se suspeito de algo muito maior.
Naquela primeira matéria sobre o tema publicada, havia cautela, dúvidas, medo de alarmar. Mas Carlos Brito já enxergava o que ninguém via. Ele falava com cuidado, mas com uma convicção que me impressionava e um faro de quem entende que a ciência começa na dúvida.
Foi a partir dali que Pernambuco se mobilizou, formou uma força-tarefa, e a notícia começou a ganhar o País - e, logo em seguida, o mundo. O Ministério da Saúde foi acionado. O Brasil inteiro começou a falar sobre aquilo que fato que ocorria, sem precedentes, no Recife.
E, em 29 de novembro, entre uma enxurrada de dados e descobertas, publiquei a entrevista 'Zika/Microcefalia: É um novo capítulo na história da medicina'. Essa frase foi dele; e foi profética. Carlos Brito sabia que o que estávamos presenciando não era apenas uma crise de saúde, mas o início de algo que redefiniria o olhar da ciência sobre as arboviroses e a vulnerabilidade humana.
Hoje, exatos 10 anos depois, ver o reconhecimento público a Carlos Brito me trouxe uma sensação de gratidão e de volta ao tempo, àqueles dias de incerteza, em que a busca por respostas movia tudo.
Carlos Brito foi o primeiro a ligar os pontos, a transformar perplexidade em investigação. Foi dele o gesto inaugural que uniu ciência, sensibilidade e compromisso com a verdade.
Para mim, ter entrevistado este grande pesquisador, no dia 23 de outubro de 2015, ouvindo suas primeiras hipóteses, marcou o início da experiência mais intensa da minha vida como repórter.
A homenagem a Carlos Brito é também, de alguma forma, uma celebração da força do jornalismo e da ciência quando caminham juntos. A hipótese dele, pioneira, foi decisiva para orientar pesquisas posteriores e confirmar o vínculo causal entre zika e microcefalia.
Ao longo de 23 anos como jornalista de saúde, não tenho dúvidas de que uma boa investigação começa com uma pergunta, uma intuição e a coragem de quem, como ele, ousa olhar além do que todo mundo vê.