Eutanásia legalizada no Uruguai reacende debate sobre morte digna no Brasil
Especialistas defendem que a legalização da morte assistida não incentiva suicídio; critérios e procedimentos são indispensáveis para a aplicação
Clique aqui e escute a matéria
Nesta semana, o Uruguai se tornou o primeiro país da América do Sul a legalizar a eutanásia, procedimento em que um paciente solicita e recebe uma injeção letal, administrada por um médico. No Brasil, a eutanásia e quaisquer outros meios de morte assistida seguem sendo ilegais e sem perspectiva de mudança a curto prazo.
Como forma de alavancar o debate em território nacional e pressionar pela criação de um novo cenário legislativo, foi criada em agosto de 2025 a associação Eu Decido. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos integrante da World Federation Right to Die Societies, que luta pelo direito à morte assistida.
Eutanásia e suicídio assistido são a mesma coisa?
Várias nomenclaturas aparecem quando o assunto é o direito à morte. Apesar da variedade de termos, a presidente da Eu Decido, Luciana Dadalto, simplifica a explicação: "a morte assistida é um termo que se divide em duas formas: a eutanásia e o suicídio assistido".
E entre essas duas situações, o que muda é a responsabilidade pelo ato que causa a morte:
- Eutanásia: a pedido do paciente, o médico administra nele uma injeção letal.
- Suicídio assistido: nesse caso, o médico prescreve a substância letal e o próprio paciente é responsável por fazer o uso.
Há, ainda, a ortotanásia, que não é um tipo de morte assistida, mas tem relação com o tema. São os casos em que os procedimentos para prolongar a vida de pacientes terminais, cujas chances de cura já não existem mais, são suspensos ou limitados.
É o que acontece, por exemplo, quando se desligam os aparelhos de pacientes em estado vegetativo. O procedimento é reconhecido como eticamente legítimo pelo Conselho Federal de Medicina desde 2006.
A morte assistida é permitida no Brasil?
"Não há, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, espaço para a prática de qualquer modalidade de morte assistida, seja eutanásia ou suicídio assistido, sem tipificação penal", explica o advogado e mestre em Direito Constitucional Ygor Werner.
Todavia, no passado, já foram apresentados Projetos de Lei que tocam no tema. O primeiro foi em 1996, de autoria do senador Gilvam Borges, acerca da legalização da eutanásia sob rigorosos critérios médicos e, claro, consentimento do paciente.
Mais recentemente, os PLs nº 7.093/2006 e nº 6.715/2019 propuseram a descriminalização da eutanásia, mas sequer chegaram à votação no Senado. O advogado afirma que "tais projetos não prosperaram em razão da forte resistência moral, religiosa e cultural que o tema ainda suscita no Brasil". Em 2007 foi protocolado, inclusive, um PL para classificar a eutanásia como crime hediondo.
Embora Werner observe que "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem assumido um papel ativo na concretização de direitos existenciais" e que o debate esteja avançado na sociedade, é muito precipitado afirmar que a legalização da morte assistida no Brasil está próxima.
Por que lutar pelo direito à morte?
Para entender o porquê de lutar pelo direito à morte, Luciana discorre primeiro sobre o conceito de vida para a Eu Decido: "a vida precisa ser compreendida como biográfica. Ou seja, uma vida que permite à pessoa exercer a sua história, a sua biografia e os seus valores".
A causa é sobre o protagonismo da pessoa na sua própria vida. O proposto é que, se essa pessoa entende que passa por um sofrimento insuportável, ela deveria ter o direito de escolher se quer ou não continuar sofrendo. "Nós estamos falando do direito de escolha individual, do exercício da autonomia. E quem diz o que é insuportável é a própria pessoa", continua.
Legalizar é incentivar o suicídio?
Luciana, que também é bioeticista, doutora em Ciências da Saúde e mestre em Direito Privado, frisa que a busca por uma legislação não é incentivo ao suicídio. "O mais importante é que a sociedade entenda que estamos falando de direito de escolha, e não em obrigatoriedade".
O manifesto do Eu Decido inclui, ainda, requisitos para o ato de escolha:
- Ter 18 anos de idade ou mais;
- Capaz para os atos da vida civil;
- Competente para tomada de decisões conscientes;
- Que esteja sofrendo de modo autodeclarado insuportável, "por conta de doença terminal e/ou incurável, incapacitação grave e/ou irreversível, ou padecimento decorrente de envelhecimento avançado".
E reforça que não é apenas sobre eutanásia. O direito de morrer com dignidade se estende a ter acesso a cuidados paliativos, assim como também poder recusar tratamentos que apenas prolonguem a vida. "A luta é para possibilitar que quem entender que a vida biográfica já deixou de existir, possa ter acesso à morte digna", pontua a presidente.
Mau uso da lei obrigaria pessoas a morrerem?
No debate sobre morte assistida, é comumente pontuado que legalizar abre brechas para um mau uso da lei. Pessoas poderiam, por exemplo, serem forçadas por familiares ou cuidadores a "escolher" o fim da vida.
Luciana discorda: "A lei traz regulamentação. Ela cria fluxos e procedimentos, etapas que envolvem documentações, avaliações clínicas e profissionais diversos". Assim como qualquer outro processo jurídico, o paciente não receberia o direito à morte da noite para o dia.
Em complemento, Ygor Werner destaca que uma eventual lei precisaria de três pilares para garantir a segurança: consentimento informado e reiterado, avaliação médica colegiada e independente, e registro judicial com controle do Ministério Público. "Não se trata de banalizar a morte, e sim de formalizar a dignidade".