Bebida com metanol: médica explica por que este veneno pode matar em poucas horas

Substância presente em bebidas adulteradas é metabolizada em compostos tóxicos que atacam órgãos vitais; atendimento rápido pode salvar vidas

Por Cinthya Leite Publicado em 02/10/2025 às 21:19 | Atualizado em 02/10/2025 às 22:58

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Com a ocorrência de casos de intoxicação por metanol, autoridades sanitárias e especialistas têm reforçado a vigilância e as atitudes que devem ser tomadas caso haja suspeita de consumo de bebida alcoólica adulterada.

O metanol é um álcool usado em solventes e outros produtos químicos. É extremamente perigoso quando ingerido. Ele pode atacar o fígado, cérebro e o nervo óptico, levando a cegueira, coma e em casos extremos a morte.

"Ele é tóxico porque, a partir do momento em que entra no organismo, transforma-se em diversos outros elementos muito tóxicos", explica a médica Juliana Sartorelo, em entrevista ao JC.

Especialista em urgência, emergência e toxicologia clínica, além de conteudista da Afya, Juliana ressalta que a intoxicação por metanol é uma urgência hospitalar, e o tratamento pode incluir hemodiálise nos casos graves. "Só isso já demanda encaminhamento à unidade de terapia intensiva (UTI). É um atendimento complexo."

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"Alguns pacientes nem chegam a apresentar problemas crônicos, pois a intoxicação é tão intensa que evolui para parada cardiorrespiratória, arritmias, problemas pulmonares agudos e óbito em pouco tempo", diz a médica Juliana Sartorelo, especialista especialista em urgência, emergência e toxicologia clínica - DIVULGAÇÃO

O que acontece no corpo após a ingestão de metanol?

Quando uma bebida adulterada com metanol é ingerida, o fígado metaboliza essa substância e a transforma em formaldeído, que é altamente tóxico. Em seguida, o formaldeído se converte em ácido fórmico e se acumula no organismo. 

"O ácido fórmico age diretamente nas células do cérebro, do pulmão, do coração, do rim, na região dos olhos. E ele pode causar lesões irreversíveis. Tudo depende do tratamento precoce, do tratamento adequado e do tempo que o paciente demora para procurar atendimento", esclarece Juliana. 

A médica destaca que, se o paciente receber o tratamento adequado nas primeiras horas da ingestão da bebida com metanol, há possibilidade de reverter parte dos sintomas. Mas, se o atendimento demora, podem surgir alterações visuais, neurológicas e motoras irreversíveis.

Sintomas que confundem e atrasam o diagnóstico

"Um dos grandes problemas é que os sintomas iniciais da intoxicação por metanol, como náusea, vômito, dor abdominal e confusão mental, são parecidos com sinais de embriaguez ou ressaca. Muitas vezes, a pessoa acha que foi apenas álcool comum. Mas, no caso do metanol, os sintomas se intensificam e evoluem muito mais rápido. Por isso, qualquer suspeita deve levar ao atendimento médico imediato", orienta. 

O tempo de aparecimento das manifestações, de acordo com a médica, é variável. "Há pacientes que, em uma ou duas horas após a ingestão da bebida adulterada, já apresentam sintomas graves. Outros só em 6 a 12 horas. Depende da quantidade ingerida, das doenças prévias, do tempo até o hospital. O ideal é procurar o quanto antes", sublinha. 

Sobre as consequências para o organismo, a médica ressalta que a intensidade dos efeitos é severa porque a toxicidade se espalha por todo o corpo. "O rim pode ser comprometido, o que pode gerar lesão renal. E geralmente é reversível, mas às vezes não. Há problemas neurológicos, desde alterações motoras até confusão mental, e dificuldades de fala."

Nos casos mais graves, a intoxicação pode evoluir para coma. "Alguns pacientes nem chegam a apresentar problemas crônicos, pois a intoxicação é tão intensa que evolui para parada cardiorrespiratória, arritmias, problemas pulmonares agudos e óbito em pouco tempo."

Tratamentos disponíveis e os riscos dos "remédios caseiros"

Os "tratamentos caseiros" são outro ponto de preocupação, pois são uma armadilha perigosa. "O diagnóstico precisa ser feito em pronto-atendimento, por um médico. O etanol usado como antídoto é um etanol médico, com diluição correta, fornecido a hospitais. Quem ingere álcool comum por conta própria corre risco: atrasa o tratamento, piora o quadro. A recomendação é procurar assistência médica o mais rápido possível."

Apesar de não estarem disponíveis, na maioria dos hospitais do Brasil, testes laboratoriais para dosagem de metanol em pessoas com suspeita de intoxicação, Juliana informa que há exames acessíveis que podem revelar a principal alteração laboratorial que levanta uma forte suspeita da presença do metanol. "Para isso, temos a gasometria arterial. Se houver alteração nesse exame, em paciente com sintomas e história clínica, o médico já pode iniciar tratamento." 

A assistência a casos de intoxicação por metanol, segundo Juliana, inclui uma conduta intensiva. "Se precisar de intubação, medicação para manter pressão arterial, assistência para arritmias cardíacas, o paciente terá. Além disso, usamos hemodiálise e bicarbonato venoso, pois a acidez no sangue é muito intensa. 

Questionada sobre a possibilidade de um cenário mais grave, com o problema alcançando mais Estados brasileiros, Juliana afirmou que, infelizmente, esse risco existe. "Experiências internacionais mostram que situações semelhantes costumam gerar surtos maiores e, considerando que São Paulo é um importante polo de distribuição de bebidas, não restrito a apenas uma marca adulterada, há chance de novos casos surgirem em outras regiões", acredita. 

Cresce o alerta no Brasil: casos em investigação e risco de surtos

Até o momento, o Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) recebeu notificações de 59 casos de intoxicação por metanol: 53 em São Paulo (11 confirmados e 42 em investigação), cinco em investigação em Pernambuco (a Secretaria Estadual de Saúde, no entanto, confirma registros de quatro casos) e um no Distrito Federal. Há ainda um óbito confirmado e sete em investigação.

O ministro da Saúde recomenda que a população evite destilados de origem desconhecida, especialmente líquidos incolores, cuja procedência não possa ser confirmada.

"Reforçamos três recomendações fundamentais ao consumir bebidas alcoólicas: se beber, não dirija; mantenha-se alimentado e hidratado antes e durante o consumo; e, principalmente, certifique-se da origem da bebida. É essencial saber de onde ela vem. Se estiver em um bar, não aceite bebidas de desconhecidos e tente verificar a procedência. Isso é ainda mais importante neste momento", afirma Alexandre Padilha. 

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