"Os pacientes agora são parte da equipe médica", diz futurista da saúde Bertalan Meskó

Médico húngaro conversou com a jornalista Cinthya Leite sobre importância de colocar o paciente no centro do cuidado e impacto da IA na rotina médica

Por Cinthya Leite Publicado em 22/08/2025 às 17:53 | Atualizado em 22/08/2025 às 18:05

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SÃO PAULO - O médico húngaro Bertalan Meskó, conhecido como "O Futurista Médico", é um dos mais influentes pensadores globais sobre o futuro da saúde. Ao combinar ciência, tecnologia e empatia, ele provoca reflexões sobre como inteligência artificial, dados e inovação podem transformar a medicina, sem que a profissão perca a essência.

De forma remota, Bertalan Meskó participará do Afya Summit, em São Paulo. Ele conversou com a jornalista Cinthya Leite, colunista de Saúde e Bem-Estar, do JC, sobre a importância de colocar o paciente no centro do cuidado, o impacto da inteligência artificial na rotina médica e os dilemas que profissionais e instituições ainda enfrentam diante da transformação digital.

Neste sábado (23), Bertalan Meskó abrirá os debates do evento com o painel "A saúde precisa de uma viagem a Marte", a fim de provocar o público a imaginar cenários disruptivos para repensar o presente. 

"Radiologia, oncologia e cardiologia serão as grandes vencedoras da revolução da IA, já que o maior número de dispositivos aprovados de IA se tornará acessível nessas especialidades", prevê o futurista da saúde Bertalan Meskó, nesta entrevista a Cinthya Leite. 

JC - Sua palestra falará sobre manter um astronauta vivo em Marte. O que essa metáfora pode nos ensinar sobre os desafios da Saúde aqui na Terra?

BERTALAN MESKÓ - A história que apresento no evento da Afya busca fazer com que a plateia experimente a sensação de ser um astronauta isolado em Marte em busca de ajuda médica: você precisa esperar muito, outros tomam decisões por você, não há espaço para empatia e o acesso à informação e às tecnologias é limitado. Os pacientes aqui na Terra passam pela mesma experiência. Acho que essa perspectiva nos ajuda a entender que tipo de sistema de saúde devemos projetar hoje para atender melhor os pacientes.

JC - Quando falamos em colocar o paciente no centro do cuidado, o que isso significa, na prática, para médicos e hospitais?

BERTALAN MESKÓ - Como a tecnologia era limitada anos atrás, os médicos, na 'Torre de Marfim da Medicina' (expressão que descreve alguém isolado da realidade prática, pouco distante do mundo real), tentavam fazer o melhor possível com os dados e informações que conseguiam reunir sobre o paciente. Mas, com a revolução da saúde digital e da inteligência artificial, isso mudou. Agora, os pacientes trazem percepções, dados e informações para a mesa. Assim, contribuem para o manejo de suas doenças ou da própria saúde. Essa mudança os coloca no centro do cuidado. Tratamentos personalizados e de precisão se tornam possíveis porque o sistema agora consegue analisar dados que já pertenciam aos pacientes, mas aos quais eles não tinham interfaces para acessar.

JC - O senhor costuma dizer que os pacientes devem ter acesso aos próprios dados de saúde. Como isso mudaria a relação médico–paciente?

BERTALAN MESKÓ - Durante séculos, os pacientes foram o 'recurso' mais subutilizado na saúde. Suas opiniões, percepções e dados não tinham importância. Os médicos precisavam tomar todas as decisões médicas e arcar com a responsabilidade. Agora que eles podem contribuir, está ocorrendo uma transformação cultural. Isso necessariamente vem acompanhado de mudanças na relação médico-paciente, que costumava ter uma estrutura hierárquica. Agora, está se transformando em uma relação de igual para igual. Cada parte precisa aprender seus papéis nesse novo sistema.

JC - Algoritmos e inteligência artificial podem apoiar decisões médicas em tempo real. Isso empodera os médicos ou os faz se sentirem ameaçados?

BERTALAN MESKÓ - Depende a quem perguntamos. Se perguntarmos aos médicos que começaram a aprender habilidades como prompt engineering, com as quais conseguem obter melhores resultados ao usar grandes modelos de linguagem (como o ChatGPT), eles já desfrutam dos benefícios da IA. Mas, se perguntarmos aos médicos que são relutantes em aprender tais habilidades, tenho certeza de que eles se sentem ameaçados. Por não compreenderem suficientemente o funcionamento técnico da IA, podem até pensar que ela substituirá os empregos.

JC - Ao olhar para os próximos 20 anos, quais tecnologias o senhor acredita que realmente vão transformar a medicina?

BERTALAN MESKÓ - A inteligência artificial é a que realmente se destaca. A burocracia atormenta os sistemas de saúde e leva médicos ao esgotamento. Se olharmos apenas para um exemplo, os AI scribes (escribas de IA) que podem assumir essa tarefa repetitiva, já percebemos como a IA pode revolucionar não apenas o processo de tomada de decisão, mas também o padrão de cuidado. A partir disso, radiologia, oncologia e cardiologia serão as grandes vencedoras da revolução da IA, já que o maior número de dispositivos aprovados de IA se tornará acessível nessas especialidades.

JC - O médico do futuro também precisa equilibrar ciência, tecnologia e empatia?

BERTALAN MESKÓ - Sem dúvidas, como sempre precisaram equilibrar esses aspectos. Não importa como nós, no The Medical Futurist, analisemos isso, os valores centrais permanecem cruciais para a prática da medicina. No entanto, o ambiente no qual devemos preservar esses valores continua mudando. Os pacientes se tornam membros da equipe médica, a saúde se torna globalizada e a IA passará a contribuir para a tomada de decisões médicas.

JC - Muitos profissionais ainda resistem à mudança digital na saúde. Como eles podem ser convencidos de que esse é o caminho a seguir?

BERTALAN MESKÓ - O ideal seria que suas associações médicas e instituições fossem as responsáveis por guiá-los nesse processo, mas isso raramente acontece. Na realidade, os pacientes representam a força motriz e, à medida que cada vez mais pacientes fazem perguntas tecnológicas em suas consultas médicas, eles acabam pressionando os médicos a aprenderem mais sobre esse tipo de conhecimento e habilidades.

JC - Se pudesse dar um conselho aos jovens médicos de hoje, qual seria para ajudá-los a se preparar para a medicina de amanhã?

BERTALAN MESKÓ - Foquem nos valores centrais da medicina, da empatia e compaixão à comunicação e criatividade. Mas, ao mesmo tempo, adquiram habilidades como prompt engineering para se tornarem os vencedores da revolução da IA.

*A jornalista faz a cobertura do evento a convite da Afya.

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