Fila de espera: 3.731 pessoas aguardam transplante e reacendem debate sobre doação de órgãos em Pernambuco

Segundo o Ministério da Saúde, em 2024, o Brasil atingiu o recorde histórico de transplantes realizados pelo SUS. Rim é o órgão com maior demanda

Por Paloma Xavier Publicado em 18/08/2025 às 16:20

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Cerca de 3.730 pessoas aguardam por um órgão ou tecido em Pernambuco, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). O número alarmante, somado a casos que ganharam notoriedade nos últimos dias (como o do apresentador Faustão e o do jovem Pedro Henrique), reacende o debate público sobre a doação de órgãos no Brasil. O cenário levanta discussões sobre a fila de espera, a transparência do processo e a importância da conscientização.

De acordo com o médico cirurgião e hepatologista Cláudio Lacerda, do Hospital Jayme da Fonte, muitos mitos cercam a doação de órgãos. Ele destaca que um dos principais desafios é fazer as pessoas entenderem que um doador pode ter morte encefálica, mas com o coração ainda batendo.

"O sistema de transplante do Brasil é absolutamente seguro. Não há a menor possibilidade de que esse diagnóstico seja feito de maneira equivocada, ou seja, que o indivíduo esteja vivo ainda", afirma o médico.

Lacerda também desmente a ideia de que a fama interfere no processo, citando o caso do apresentador Faustão. "Não há nenhum tipo de prioridade com base em poder econômico, político ou importância social. O fato de Faustão ser famoso não interferiu na priorização da lista de espera."

Como funciona o processo

A prioridade na fila de transplantes não é determinada pelo tempo de espera, mas por critérios como a gravidade do caso, compatibilidade e o tempo de isquemia (período em que o órgão pode ficar sem irrigação sanguínea).

Para garantir a compatibilidade, o Sistema Único de Saúde (SUS) utiliza a Prova Cruzada Real, um exame que verifica se o receptor tem anticorpos contra os antígenos do doador, o que poderia aumentar o risco de rejeição. Para otimizar o processo, o Ministério da Saúde reorganizou a alocação de órgãos, priorizando estados da mesma região geográfica.

Confirmada a compatibilidade e com a autorização da família, os órgãos são distribuídos. Cada órgão tem um tempo limite para ser transplantado:

  • Coração: No máximo, 4 horas;
  • Fígado: Não mais de 12 horas;
  • Rim: Pode durar até 24 horas.

Uma equipe especializada retira os órgãos e os transporta em caixas térmicas, em uma corrida contra o tempo, para o hospital do receptor, onde a equipe cirúrgica já está pronta para o procedimento.

Segundo o Ministério da Saúde, em junho, 78 mil pessoas aguardavam por doação de órgãos. Em 2024, o Brasil bateu recorde histórico de transplantes realizados no SUS, com mais de 30 mil procedimentos, um crescimento de 18% em relação a 2022.

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O rim foi o órgão mais demandado de transplantes em 2024 - Freepik

Os mais demandados do ano em questão foram: rim (42.838), córnea (32.349) e fígado (2.387). Já os órgãos mais transplantadores foram: córnea (17.107), rim (6.320), medula óssea (3.743) e fígado (2.454).

Doação em vida

A doação também pode ser realizada em vida para órgãos como o rim, parte do fígado e medula óssea, já que o doador pode viver de forma saudável com apenas um rim ou parte do fígado. Essa possibilidade é uma alternativa quando o doador é um parente de até quarto grau ou cônjuge.

De acordo com a colunista Keila Jimenez, do Hoje em Dia, Faustão recebeu doação do rim e do fígado de um familiar.

A situação dos transplantes em Pernambuco

O organograma do processo de doação e transplante de Pernambuco segue um modelo nacional. O Estado realizou 1.736 transplantes em 2024. Até a metade de 2025, foram realizados 938 transplantes, o maior número desde o início dos acompanhamentos no Estado para um período de 6 meses, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde.

“Pernambuco se destacou como o estado no norte-nordeste que mais realizou transplante renal, de pâncreas e medula óssea, segundo em transplante de fígado e coração e terceiro de córneas”, ressalta o coordenador da Central de Transplantes de Pernambuco (CT-PE), André Bezerra.

Atualmente, 3.731 pacientes estão nas diversas listas de transplantes no Estado. São 23 aguardando transplante cardíaco, 132 aguardando hepático, 2.003 aguardando transplante renal, 20 rim/pâncreas, 20 prontos para o Transplante de Medula Óssea (TMO) e 1.502 aguardando transplante de córneas. “Por haver terapia substitutiva e por não impor risco de morte, respectivamente, as listas de rim e de córneas são as que acumulam maior número de pacientes”, acrescenta André.

O coordenador da CT-PE ressalta que a recusa familiar ainda é a principal causa para a não doação, representando 48% das entrevistas. Ele explica que o desconhecimento da vontade do ente querido é o maior fator, e que a transparência e o acolhimento são essenciais para que as famílias tomem a decisão em um momento tão difícil.

“A principal causa dessa recusa é o desconhecimento da vontade do ente querido que está partindo. Como sociedade temos uma grande dificuldade de lidar de forma séria com nossa família sobre a vontade de ser doador, pois isso é falar sobre morte. Temos que desmistificar essa ideia. Isso é falar sobre vida”, destaca André.

Ele afirma que o trabalho de incentivo à doação de órgãos requer muitas frentes de atuação. "Os melhores resultados no Brasil acontecem nos Estados onde grande parte desse esforço foi destinado à conscientização e formação dos profissionais de saúde que atuam nos hospitais. Instituições onde o processo é compreendido e dominado pelos seus funcionários são onde acontecem o maior número de doações", diz.

Ele ainda complementa que, em Pernambuco, a Central de Transplante executa treinamento sistemático de Determinação de Morte Encefálica, Comunicação de Notícias Difíceis e Manutenção de Potenciais Doadores, além de ministrar palestras sobre a causa e os processos a hospitais, escolas e centros religiosos.

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André Bezerra, coordenador da Central de Transplantes de Pernambuco, ressalta a importância de várias frentes no trabalho de incentivo à doação de órgãos - Freepik

Ele também atribui importância à divulgação nos meios de comunicação: “Pelo seu alcance, contribui também de forma significativa para com a causa. Como exemplo, houve a recente apresentação das dificuldades enfrentadas por pacientes em lista de espera, além de uma apresentação de doação de coração, veiculado em um programa, com notado aumento nas doações na semana seguinte.”

“Uma programação perene sobre a causa na mídia levaria a um entendimento e maior aceitação por parte das famílias”, finaliza o coordenador.

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