Preocupação com pênis de crianças se torna 'epidemia' em consultórios, alertam urologistas
Mito de que o micropênis é comum, alimentado por redes sociais, causa ansiedade nas famílias e gera riscos para a saúde e o desenvolvimento de meninos

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Em uma época dominada pelas redes sociais, em que a informação circula em velocidade vertiginosa, médicos especialistas têm notado um fenômeno preocupante nos consultórios: famílias ansiosas com o tamanho do pênis de seus filhos. A inquietação, impulsionada por conteúdos duvidosos na internet, tem levado famílias a buscar tratamentos hormonais desnecessários e perigosos para crianças.
Durante o 53º episódio do videocast Saúde e Bem-Estar, do JC, mediado pela jornalista Cinthya Leite, os urologistas pediátricos Adriano Calado e Romulo Vasconcelos desmistificaram o assunto e alertaram para os riscos da desinformação. Além disso, eles ressaltaram a importância de um acompanhamento médico de qualidade.
Ansiedade gerada pela internet
Segundo os especialistas, disparou a frequência de pais que marcam consulta devido a essa preocupação. Para Adriano Calado, professor da Universidade de Pernambuco (UPE), o que antes era um caso mensal, tornou-se algo semanal ou até diário. "De repente, houve um boom. Nós observamos isso nos consultórios, aquela criança que aparecia uma vez por mês, passou a ser semanal e hoje é todo dia", afirma. A raiz do problema, segundo ele, é a desinformação, que cria um "alarme, como se houvesse uma epidemia de micropênis".
Também professor na mesma universidade, Romulo Vasconcelos reforça o cenário. "Os pais chegam ansiosos e preocupados; eles vêm carregados de uma ansiedade fora do comum", descreve. O grande problema, segundo os médicos, é que a informação errada é tão disseminada que os pais acabam convencidos de que há algo de errado com seus filhos, mesmo que as crianças, muitas vezes, não demonstram qualquer tipo de preocupação com o próprio corpo.
A falsa epidemia do micropênis
Um dos principais mitos combatidos pelos urologistas é a ideia de que o micropênis é uma condição comum. O urologista pediátrico Adriano Calado é categórico ao desmentir essa informação. "Micropênis é uma condição extremamente rara. As estatísticas mostram que ocorre em, mais ou menos, uma para 50.000 crianças. Era raro, continua raro e continuará raro", enfatiza.
Os médicos alertam para a má-prática de profissionais que estimulam os pais a fazerem medições caseiras do pênis - algo que, por si só, é impreciso e pode levar a diagnósticos errados. Adriano explica que a medição técnica do pênis é um procedimento complexo, que exige tração e conhecimento especializado, e "não dá para ser feita em casa".
A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) já emitiu um alerta sobre essa prática e reforçou que o exame deve ser feito por um profissional.
Os perigos dos tratamentos hormonais
A busca por soluções rápidas, alimentada pela urgência criada na internet, leva muitos pais a considerar tratamentos hormonais para o suposto problema. No entanto, os especialistas são enfáticos ao afirmar que esses tratamentos não são inócuos e podem trazer sérios riscos à saúde da criança, especialmente quando desnecessários.
Para Adriano Calado, entre os efeitos adversos que podem ocorrer, estão "ereções mais frequentes e prolongadas", ginecomastia (crescimento das mamas) e até mesmo agressividade.
O risco mais grave, segundo ele, é que o uso de hormônios pode "desencadear uma puberdade precoce", ao acelerar o fechamento das cartilagens ósseas e comprometendo a altura final da criança. "Acelera-se a etapa, assumindo riscos para chegar provavelmente no mesmo tamanho final", adverte.
Os médicos também expressam preocupação com a ética de profissionais que dão o diagnóstico e vendem o medicamento diretamente, sem o devido acompanhamento.
Desenvolvimento normal e outras condições
Para ajudar as famílias a entenderem a normalidade, os especialistas explicam que o crescimento do pênis não é linear como o de altura e peso. Há uma pequena fase de crescimento na "minipuberdade" (até 3 anos), um período de "silêncio" (até os 11 ou 12 anos) e o grande crescimento, que acontece somente na puberdade.
"É normal que um menino de 5 anos e um de 10 tenham o pênis de tamanho semelhante, porque o crescimento genital ainda não começou", explica Adriano.
Outra condição comum que pode causar confusão é o sobrepeso e a obesidade infantil. A gordura na região abdominal pode esconder a base do pênis, e isso faz com que ele pareça menor. O urologista pediátrico Romulo Vasconcelos explica que, nesses casos, o problema não é o tamanho do órgão, e sim a forma como ele é visualizado. E Adriano, por sua vez, vê nisso uma oportunidade: "O urologista pode ser o agente para conduzir essa criança de volta para os bons hábitos de vida. E, de quebra, o pênis vai ficar mais visível".
A importância do acompanhamento médico
Os especialistas concordam que o problema da desinformação poderia ser minimizado se os meninos tivessem um acompanhamento médico contínuo, semelhante ao das mulheres, que têm no ginecologista um conselheiro de vida a partir da primeira menstruação.
Nesse contexto, Romulo destaca que os meninos vão 18 vezes menos ao médico do que as meninas. "O homem não precisa ir pro médico só aos 45 anos, quando a próstata começar a crescer", diz.
Para mudar essa realidade, a Sociedade Brasileira de Urologia lançou a campanha "Vem pro Uro", que incentiva os pais a levarem seus filhos a partir do início da adolescência.
Assim, Adriano Calado explica a importância de construir uma relação de confiança. "Se o menino já vem construindo essa relação há 2 ou 3 anos com o urologista, naturalmente vai abordar uma dúvida de sexualidade quando sentir necessidade", explica o médico.
Esse acompanhamento permite orientar sobre questões como uso de anabolizantes, sexo seguro e sexualidade, o que garante a saúde integral do adolescente.
Os médicos ressaltam que, em caso de dúvidas, a melhor atitude é buscar a orientação de um profissional qualificado, em vez de se basear em informações de redes sociais, que podem gerar mais ansiedade e danos à saúde das crianças.